segunda-feira, 28 de março de 2011

O "Novo Acordo" e ... a Dialéctica em Salvaterra !

"As respigadeiras", quadro de Jean Millet

Espero que a dialé(c)tica de Salvaterra, não cause engulhos aos "puristas" da nova linguagem. O Povo agradece!

Na minha terra as crianças
são cachopos, ou são filhos.,
Grávida é estar de esperanças
e os problemas são cadilhos.

As uvas são, os gatchos,
os pêssegos, melacatões.
As mulas, são matchos,
as perneiras são safões.

Não há tampas nas panelas,
para isso há os testos.
postigos nas janelas
e os rápidos são lestos.

Há burros e burricos,
os tachos são caçolas.
Abanos são abanicos
e pélas são as bolas.

Um cordel é uma guita
e por vezes um baraço.
Uma galinha, é uma pita,
tacho é, também, caço.

Bilha grande é asado,
um balde é um caldeiro.
Cheio é empanturrado
e a lenha é o madeiro.

Também pote é um asado
mas, se muito bem calha
for maior, avantajado,
pode-se chamar, talha.

Quietas é estarem quedas,
ruas estreitas são quelhas
e as romãs são marguedas.
Coisas iguais são parelhas.

Ir em frente é ir a eito,
um porco é um marrano.
Uma cama é um leito,
milhafre é um milhano.

Um lanche é uma merenda,
cabelos lisos são farripas.
Um presente é uma prenda
e os intestinos são tripas.

Um canivete é navalha,
chão de madeira é sobrado.
Os rapazes é a canalha,
acostumado é avezado.

Sirineu é sem vergonha,
porco pode se cotchino.
Máscara é carantonha,
guloso é um lambino.

Pedregulho é cantchal,
é assim esta minha terra:
Ganhar ao dia é a jornal
e incomodar é dar guerra!

terça-feira, 22 de março de 2011

Região da Beira Baixa está a perder costumes característicos da Quaresma


Conforme prometido num comentário que fiz no blogue “Idanhense Sonhadora”, relativamente ao “post” “É Quaresma em Idanha-a-Nova …” e por me parecer dalgum interesse, aqui deixo a transcrição dum artigo inserto no “Diário de Notícias” de 16/02/1989.

Apesar da reabilitação de alguns rituais
Região da Beira Baixa está a perder costumes característicos da Quaresma


O Período da Quaresma já contou com muitos e diversificados rituais, na área da Beira Baixa. Hoje, porém assiste-se a um progressivo desaparecimento de costumes característicos que são parte integrante do património cultural do País.

Embora muitos deles estejam irremediavelmente postos de parte, a data ainda inspira a reabilitação de alguns desses rituais.

Entre eles, integra-se a tradição da “sarração da velha”, que sucedia a um grande período de recolhimento: antes praticado em Idanha-a-Nova e noutras localidades limítrofes, este costume consistia na organização em cortejo dos habitantes mais jovens da vila para, às primeiras horas do dia, percorrerem a área, munidos de uma serra e de um cortiço ( peça de cortiça de forma cilíndrica ), gritando: “Sarra-se a velha, sarra-se a velha”.

O cortejo acabaria por terminar na praça principal, com a serração do cortiço ao som do mesmo grito.

Apesar de tudo ter caído em desuso, os rapazes da vila ainda percorrem as ruas principais, trazendo consigo uma foice ou uma faca e um pau, que fingem cortar, entoando o mesmo grito, o que habitualmente faz correr as habitantes mais idosas às janelas, despejando sobre os “manifestantes” alguns jactos de água perfumada.

Paralelamente a este ritual, as classes mais abastadas costumavam festejar a Quaresma com bailes e outras diversões, sob o nome de Mi-Careme.



Encomendação das almas

Outro ritual ainda em uso em diversas localidades, é a “encomendação das almas”, constituída pelo cantar em voz triste de algumas quadras como esta: “As almas do Purgatório/Já em altas vozes/Co’as mãos postas ao Céu/Irmãos, lembrai-vos de nós”, entre outras possíveis.
Entretanto, na “aldeia mais portuguesa de Portugal”, Monsanto da Beira, é usual, a meio da Quaresma, assistir-se a um cortejo de rapazes, de porta em porta, tocando chocalhos e entoando “Capa-lo, capa-lo, está capado”, sempre que passam pela morada de pessoas menos queridas na área.
Com a aparição do visado, o grupo acaba por fugir com rapidez, para continuar a viagem.
Outros costumes integram o que se efectua em Benquerença, no concelho de Penamacor: no período quaresmal, rapazes e raparigas aproveitam cântaros e panelas de barro para, percorrendo as ruas da vila, os atirarem para quem vem atrás de si.

Em Idanha-a-Nova, podia assistir-se ao encher de cestas velhas de vime, com palha e uma brasa, que passariam que passariam de mão em mão durante o percurso.



A “procissão dos penitentes”

A “encomendação das almas” também era usual bem perto da fronteira espanhola, na freguesia de Salvaterra do Extremo, com a entoação de toadas dolentes, alusivas ao período em causa.
Por outro lado, um dos rituais mais significativos e elaborados, efectua-se em Paul, no Fundão, com a “procissão dos penitentes”, manifestação que, de acordo com o pároco local, constitui algo de “muito tétrico”.

Duas dezenas de jovens, envolvidos em lençóis brancos, percorrem, a partir da meia-noite, as ruas da vila, então totalmente escurecidas e silenciosas, arrastando bolas de ferro e transportando às costas objectos alusivos à “Paixão de Cristo”.

Segundo a tradição, não é autorizada a identificação dos “penitentes”, razão pela qual se mobiliza uma “guarda” especial em serviço ao longo das ruas.

Este tipo de procissão efectuava-se em tempos idos, um pouco por todas as zonas que integram a Beira Baixa, com variantes, por opção dos habitantes de cada lugar.

segunda-feira, 21 de março de 2011

21 de Março, Dia Mundial da Poesia !

Mesmo ao findar deste dia, não quis deixar de dar o meu contributo.
Aqui fica ele!


Ainda que cruel, cada dia,
e o mundo todo ele trema,
mesmo sem muita alegria,
façamos da vida um poema!

No Dia Mundial da Poesia
deixe amigo(a) que o(a) avise
se diz que “Luta é Alegria”,
tenha cuidado com a crise!


Se feito Camões eu escrevesse
da badalada crise uma epopeia
talvez o povo me agradecesse
e não a achasse assim tão feia.

Mas da crise, o que eu aqui digo,
é simples e não me comprometo.
Como Sá de Miranda, meu amigo
gostava bem de fazer um soneto!



E para comemorar este dia,
tudo aquilo que aqui deixo
pode bem passar por poesia
mesmo sem alturas de Aleixo!

Estes “belos” versos eu fiz
com grande denodo e afinco,
porque alguém a mim me diz
que aí vem já …o PEC cinco!

Bem hajam pela paciência
que tiveram, para ler isto!
Versos sem muita ciência,
a escrevê-los eu não resisto.

domingo, 20 de março de 2011

Ainda … a Fonte Santa. O Infante D. Francisco !

Parece-me ter algum interesse, deixar aqui algo mais sobre a origem da Fonte Santa e do que são hoje, as Termas de Monfortinho.
É sabido que já os romanos, para quem as termas eram coisa banal, tinham criado aqui junto ao Erges, mas um pouco mais acima, alguns banhos termais enquanto se dedicavam à exploração mineira, do ouro. Com a saída dos romanos, toda a actividade termal parece ter terminado. Até ao dia em que algo aconteceu. A voz do povo criou várias lendas, onde entram pastores e os cães, ou o rebanho. Porém a versão que parece mais real é aquela em que entra um real personagem, o Infante D. Francisco!
Ora, este Infante D. Francisco, que viveu entre 1691 e 1742, 3º filho de D. Pedro II e irmão daquele que seria o rei, D. João V, é uma figura quase desconhecida e no pouco que se conhece, algo controversa. Seguindo o, mau, exemplo do pai, parece ter tido pretensões de também ele, enganar o irmão buscando os favores da Rainha, D. Mariana de Áustria que, segundo consta, passava verdadeiro martírio com esse assédio quando o Rei tinha que se ausentar, coisa que a Rainha tentava evitar a todo o custo. Não tendo sucesso nessa sua pretensão, tinha como maior empresa as caçadas nas suas coutadas de Salvaterra de Magos. Foi Duque de Beja, Condestável de Portugal, Senhor da Casa do Infantado e também Grão-Prior do Crato, que parecia ser um cargo que os reis (pelo menos, desde D. João IV) pretendiam para o seu 2º filho (D. Francisco era o 3º,mas o 1º, D. João, tinha morrido quase à nascença). Avesso aos meandros da corte, as caçadas eram, assim, a sua ocupação principal. Terá sido então, numa dessas caçadas, na zona de Monfortinho, que alguns dos cães da sua matilha, acometidos duma tal doença de pele (“rabugem”), beberam e se lavaram na água que corria duma fonte e se curaram. Tal bastou para que o Infante doasse à Câmara de Salvaterra do Extremo uma verba para que se construísse um balneário que consistia num tanque coberto por casa abobada. Por uma vez, pelo menos, o Infante fez algo de que se poderia orgulhar! Essa construção, porém só veio a acontecer, cerca de 1755. Entrou em ruína e em 1850 foi reconstruída. Em 1859, após um estudo muito divulgado em Espanha, da autoria do Dr. Pedrosa Barreto, médico de Salvaterra do Extremo, os espanhóis começaram a afluir aos banhos e no princípio do século XX, começou a “odisseia” do Dr. Gardete Martins para a criação das Termas de Monfortinho, que nos chegaram até aos dias de hoje, para bem da saúde da população, depois de um longo processo de modernização. Pena que tais tratamentos, que já não se compadecem com choças, não sejam muito acessíveis às pessoas de parcos recursos.

sábado, 19 de março de 2011

De Salvaterra à Fonte Santa. Um agradável passeio em … 1842 ! ( II )

(continuação)

Pertence o terreno, onde mana a fonte, ao concelho de Idanha-a-Nova. Há tempos veio um proprietário espanhol, cometendo-lhe edificar ele ali, a expensas suas, umas casarias nobres para onde encaminharia as nascentes, ordenando, lá dentro, todas as acomodações, assim para se os banhos tomarem, como para residência dos banhistas; pelo que lhe havia a Câmara de deixar os lucros da empresa por certo prazo de tempo determinado, findo o qual, tudo ele resignava em benefício do concelho. Enjeitado o oferecimento e daqui provinha aquele grande número de barracas e choças que, de longe, me haviam maravilhado e onde os pobres doentes, depois do trabalho de as carretarem ou fazerem, padecem como segunda moléstia, o ficarem sujeitos às intempéries e estreiteza de umas pousadas tão brutas e inóspitas como o sítio, e mais brutas e inóspitas que as de muitas tribos silvestres; no demais, a convivência naquele ermo é vivida e alegre; à uma, porque são muitas, e de mui diversas partes, as pessoas que para ali carregam, atraídas da nomeada de tal remédio; e à outra, porque às esperanças com que chegam, entra logo suceder a melhoria, a olhos visto. Talvez até que o insólito e brutesco da vivenda, dando abalo nos ânimos, e provocando as facécias, não deixe de ajudar o bom humor que por ali reina.
Pesaria isto, na sua alta filosofia, a Câmara de Idanha, quando enjeitou a proposição do castelhano? Mas os sarnentos antes quereriam um pouco menos de idade de oiro parodiada e um pouco mais de albergue aparelhado para resistir aos calores e insectos, ventanias e chuvas desta idade férrea, que vai corroendo.
Olhei para aquilo com tristeza e logo me lembrou que o meu bom amoreiral estava na terra de estrangeiros.
As pedras, por onde os arroios passam, parecem caiadas. A água, ao nascer, vem quente mas, tomada nos copos, logo arrefece e, bebida, não sabe mal; corre sempre com abundância.
Era já posto o sol quando dali, não sem saudades, me apartei para Monfortinho. Perto do povoado vi que atravessava a estrada uma escassa porção de água mas o terreno, molhado para uma e outra parte do caminho, descobria haver por ali passado, há pouco, maior abundância dela. De um passageiro soube, então, que junto a Monfortinho, estava a matriz donde aquele ribeirinho procedia, a qual, com ser vizinha das três outras, não era quente, nem tinha as suas virtudes mas tão particular condão possuía que, na força do dia e quanto mais apertada de calor, mais se desentranhava em águas, afrouxando à proporção que o dia declinava e vindo, de noite, a parar quase de todo ou de todo, pelo menos em certas estações do ano. Fui visitá-la, achei verdadeira a relação em que várias pessoas depois me confirmaram.
Pernoitei em casa de um proprietário de Monfortinho; recavalguei ao alvorecer do dia e, fazendo pelo caminho minhas reflexões acerca do amoreiral, em Castela, e da fonte milagrosa, em Portugal, me recolhi a Salvaterra, donde me tinha afastado duas léguas.

Ricardo Fernando Vidal


Nesta descrição, à luz daquilo que conheço (que não será muito), alguns factos parecem não ficar completamente claros. É como quem diz, “Não dá a bota com a perdigota”!
Assim, parece ficarmos a saber que existiria uma estrada paralela ao ribeiro que, ao que julgo, hoje já não existe. Dizendo que seguiu por um caminho estreito e por terrenos incultos, que repassou o ribeiro e entrou novamente em caminho de pé posto, parece dar a ideia de que o trajecto foi pedestre o que, valha a verdade, junto ao rio, serão bem duas léguas. Em Agosto, não é empresa de somenos!
Parece, pois, que se poderia ir de Salvaterra a Monfortinho, sempre junto ao Erges. Então porque seria que as pessoas, que não utilizavam a estrada nacional, que são cerca de 15 quilómetros, atalhavam por campos e vales em vez de utilizarem esse trajecto?
Porém, no fim da descrição diz que recavalgou ao alvorecer do dia. Fica a dúvida. Foi um passeio a pé ou a cavalo?

Se atravessou a água, porque foi necessário puxar do mapa para se certificar que tinha atravessado a fronteira? Naquele tempo não se sabia que o Erges era a linha de fronteira?

Fala de dois contrabandistas castelhanos armados que por ali passaram. Contrabandistas, durante o dia e armados? Não seriam os “carabineiros”?

Diz que o terreno, onde mana a fonte, pertence ao concelho de Idanha-a-Nova. Seria, mesmo? Que eu saiba, Monfortinho sempre pertenceu a Salvaterra do Extremo e esta ainda foi cabeça de concelho até 1855. Ora, estávamos em 1842!

Por muito que nos custe, talvez tudo isto fique sem resposta pois que, tanto o autor como o redactor, há muito nos deixaram!

sexta-feira, 18 de março de 2011

De Salvaterra à Fonte Santa. Um agradável passeio em … 1842 ! ( I )

Da “Revista Universal Lisbonense”, Jornal dos Interesses Physicos Moraes e Litterarios, colaborado por muitos sábios litteratos e redigido por António Feliciano de Castilho, aqui deixo, datado de 5 de Janeiro de 1843, um interessante texto, escrito por Ricardo Fernando Vidal. Apesar de bastante interessante, permito-me, no final, fazer algumas considerações acerca do mesmo. Espero que essas minhas considerações não sejam inteiramente descabidas, mas não têm outro intuito senão promover ao esclarecimento, se for caso disso!
Notável também o facto desta revista, desde o ano anterior (1841), estar a ser dirigida e redigida por António Feliciano de Castilho, cego desde os 6 anos de idade!


Por uma aprazível manhã de Agosto saí de Salvaterra descendo por uma tortuosa calçada e sumindo-se-me nos ares, gradualmente, as tristes e monótonas casas daquela vila. Tomei para a direita, costeando as alturas em que Salvaterra está assentada, e segui a estrada paralela ao ribeiro que extrema o nosso território do castelhano e se chama ribeiro de Elga. Para a banda estrangeira se avista um campo vasto que dizem, Val de Alcalde, cujo horizonte é coroado com a Serra da Gata. Fronteiro a Salvaterra, já também em terras de Espanha, campeia sobre um têzo ou outeiro um castelo antigo que ainda, entre suas ruínas, arvora aprumada e em bom estado a sua torre; dão-lhe o nome Penafiel; mourisca é a sua arquitectura, com cuja ancianidade bem conforma a cor cinzenta e negra de que os séculos lhe revestiram os muros. Já foi sítio forte e bem defendido; hoje a triste grasnada dos corvos obriga, involuntariamente, o viajante a parar, volver para trás os olhos e suspirar sobre a caducidade das maiores valentias fabricadas pelos homens.
Continuei pelo caminho estreito, seguindo vastos campos de centeio, que se dilatam até ir beber no ribeiro de Elga, e entrei por terrenos incultos, todos arripiados de mato.
Pelo rosto me ficava uma cordilheira chamada Serra de Monfortinho, à esquerda plainos de chão recém queimados.
Ao passo que da serra me fui acercando, entrou-se-me o povoado de Monfortinho a descobrir. Chegado a ele, vi que a cordilheira se profundava em um vale, e que um pequeno espaço a dividia da Serra da Gata. Pelo vale corre um ribeiro. Contíguo a ele, no lado de Espanha, se estendem amoreirais frescos e difusos, enquanto o solo português se espreguiça todo ocioso e bruto, afora somente alguns lanços de ribeira. Atravessei a água, convidado da boa sombra das amoreiras, onde, recobrando-me da calma, me pus a cuidar, por algum espaço, no como tendo andado a natureza tão activa para nos enriquecer, a nossa preguiça foi mais valente do que ela, que tão pobres ao cabo nos deixou. Como quem se meneia a uma parte e a outra para afugentar insectos importunos, para desterrar essas ideias, comecei de girar e espairecer-me sozinho pelo bosque a dentro. Todo ele, até mui remota distância, ia aberto em alamedas tiradas a cordel e tão donosas por seu concerto e solidão que, por vezes, me supus no passeio do Campo Grande.
Por melhor me certificar onde estava, puxei do mapa e reconheci que pisava terras de Espanha; no que logo me confirmaram dois contrabandistas castelhanos, armados, que por ali acertaram de passar.
Descaída a maior fúria do sol, repassei o ribeiro e, seguindo-lhe a margem por um caminho de pé posto, divisei, a poucos passos andados, lá adiante no vale, algumas barracas de campanha e choças de mato, onde me dei pressa de chegar.
Era ali a famigerada Fonte Santa, que eu desejava conhecer. Três nascentes brotam da Serra de Monfortinho, que descem, como outros tantos arroios, até se meterem no ribeiro por defronte do meu hospitaleiro amoreiral. Destas nascentes, uma foi, há anos, aproveitada, fabricando-se para a receber uma casa com aparência de ermida e nela um tanque ou bacia para banhos. Ali os tomam, anualmente, duas ou três mil pessoas, nos meses de Agosto e Setembro.
Como, porém, o lavacro não é mais que só um, não há nas 24 horas de cada dia, minuto que à porfia se não aproveite.
Das outras duas nascentes, com serem iguais a esta nas virtudes, nenhum cabedal se faz para remédio, por se lhes não ter querido fabricar também suas piscinas, e faltarem acomodações, onde os banhistas se recolham, sendo o povo de Monfortinho apartado dali boa meia légua.
É a água da Fonte Santa, notável pela sua milagrosa propriedade para curar moléstias de pele: sarnentos, com oito ou nove banhos, saem limpos de sua praga. Neste mesmo ano de 1842, conheci uma “muchacha” castelhana que padecia, havia muito, daquela aborrida enfermidade. Veio aos banhos e, ainda não eram tomados mais de cinco, já quase não havia mácula, nem resquício do que fora.


(continua)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Das contrariedades de Annasser, aquando do sítio a Sariuta…

Para complementar, mais um pouco, o “post” anterior, aqui deixo mais uma breve resenha.

Por vezes, um pequeno pormenor faz a diferença entre uma brilhante vitória ou uma estrondosa derrota.
Já aqui foram referidas as contrariedades que fizeram retardar por oito longos meses o sítio de Annasser a Salvaterra. Além da tenaz resistência dos sitiados, da escassez de provisões para homens e animais (cavalos) e da inclemência do tempo, uma outra contrariedade, não menor, foi devida à sua má escolha para a chefia dos seus exércitos. Acontece que essa chefia estava entregue ao Vizir Abu Said que não era de origem nobre entre os Almóadas. Homem conhecedor dos meandros da intriga, isso lhe bastou para que uma vez elevado a Vice-Rei e Vizir de Annasser, tenha aproveitado esse cargo para hostilizar os Chefes e os nobres dos Almóadas, muitos dos quais conseguiu afastar do círculo de influência de Annasser. Com tal estratagema, ficou apenas acompanhado de um indivíduo da sua confiança, conhecido como filho de Manxá, sendo que Annasser nada resolvia sem o parecer dos dois.
Posto isto e enquanto decorria o sítio a Salvaterra, Afonso VIII, atacava Calatrava de que era Alcaide, Abul Haj-jaze. Este ia resistindo aos ataques do Rei de Castela, mas sentindo que não podia resistir por muito mais tempo, todos os dias escrevia a Annasser, pedindo-lhe que o socorresse. Porém, tais cartas caiam nas mãos do Vizir que delas não dava conhecimento a Annasser. O Alcaide viu-se obrigado a capitular. Dignamente entregou Calatrava e, acompanhado do sogro, dirigiu-se a Salvaterra a entregar-se a Annasser. Quando chegaram ao acampamento de Annasser, encontraram-se com os Alcaides Andaluzes mas o Vizir, ao ter disso conhecimento, foi ao seu encontro e ordenou que os fizessem prisioneiros e atassem as mãos atrás das costas, como vulgares criminosos. De seguida foi falar com Annasser, fazendo intriga tal que este nem os recebeu e mandou trespassar com lanças, sendo mortos de imediato. Disto souberam os Alcaides Andaluzes, com o que ficaram muito desagradados. Apercebendo-se desse desagrado, o Vizir, mandou-os chamar e comunicou-lhes que se retirassem dos exércitos dos Almóadas, porque não precisavam deles e se continuassem nos exércitos, só lhe causariam incómodo. Esta decisão traria o seu prejuízo daí a pouco tempo, aquando da batalha de Navas de Tolosa, onde os ditos Alcaides, ressentidos, desobedecendo às ordens do Vizir, abandonaram a peleja, enfraquecendo ainda mais os destroçados exércitos de Annasser. A derrota foi inevitável e esmagadora!
Aqui está, pois, de como um cargo mal entregue, grande dano pode causar!

(Imagem retirada da internet)

sábado, 12 de março de 2011

De quando o mouro intentou a tomada de Sariuta…situada num cabeço de elevado monte, que sobe até se igualar às nuvens ...

Remexendo no “baú” da História de Portugal, aqui deixo para conhecimento das gentes de Salvaterra, e de todos quantos isto lerem, factos pouco divulgados da história tão rica, desta terra! Trata-se de quando Salvaterra passou para mãos mouriscas. A primeira e única vez em que tal aconteceu.


Decorria o ano de 607 da Hégira (1211) quando Mohamed II, 5º Rei da dinastia dos Almóadas, conhecido por Annasser, Príncipe dos Crentes, um dos 14 filhos de Almansor, e aclamado no dia 22 do mês de Rabi al-Awwal do ano 595 da Hégira (21 de Janeiro de 1199) após o falecimento de seu pai, sabedor das derrotas que, na Hispânia, Afonso VIII, de Castela, estava a infligir aos maometanos, partiu da cidade de Marrocos (Marraquexe) com os seus exércitos em direcção a Alcácer Seguer.
Ai chegado, deu início ao embarque de tropas, meios de transporte, apetrechos de guerra e mantimentos. Esta operação, de grande envergadura, durou desde o dia 1 do mês de Shawwal (17 de Março) até quase ao fim do mês seguinte, de Dhu al-Qidah do ano 607 aportando a Tarifa no dia 25 desse mesmo mês (9 de Maio de 1211). Três dias depois de ser recebido pelos alcaides de Hespanha, partiu para Sevilha, onde chegou no dia 17 do mês seguinte (31 de Maio de 1211) à frente do seu exército. Que, de tão numeroso, dividiu em cinco, pois, só voluntários, eram 160 mil.
Tal facto pôs em grande inquietação todos os países cristãos, tratando uns de se defender e outros de pedir-lhe paz.
Annasser saiu de Sevilha, em direcção a Castela e foi então que, ao passar pelo castelo de Sariuta (para os cristãos, Salvaterra, a “Princesa do Erges”), o qual no seu dizer “era grande, situado sobre um cabeço de elevado monte, que sobe até se igualar às nuvens e não há para subir a ele senão um estreito e escabroso caminho”, obedecendo ao que os seus conselheiros lhe propunham, dizendo-lhe que não passasse à frente sem que primeiro tomasse fortaleza tão inexpugnável, se resolveu a sitiá-lo. Assestou contra ele 40 catapultas e atemorizou todos os povos vizinhos. Porém, passados 8 meses de sítio, nada tinha conseguido. As provisões que acabavam, tal como as forragens para os cavalos e a chegada do Inverno iam tornando difícil a empresa. Entretanto, ao chegar notícia deste ataque do infiel e desejoso de vingança, Afonso VIII de Castela, o “Bom” ou “Nobre”, juntou outros Reis Cristãos e foi atacar Calatrava (Calatrava, a Velha, nas margens do Guadiana), então nas mãos dos mouros. Esta praça capitulou porque o seu governador esperava auxílio de Annasser, que estava no cerco a Salvaterra, mas tal auxílio devido a um desencontro de ordens nunca chegou e quando o governador de Calatrava, depois da capitulação, foi apresentar-se a Annasser, este, por estar mal informado, mandou matá-lo.
Mas, Annasser persistiu na conquista de Salvaterra e esta acabou por capitular no último dia do mês Dhu al-Hija do ano de 608 (1 de Junho de 1212).

Assim que Afonso VIII teve disso conhecimento, juntou os outros soberanos (Sancho VII, de Navarra; Pedro II, de Aragão; D. Afonso II, de Portugal; cavaleiros de Leão e das Ordens de Santiago, Calatrava, Templários e Hospitalários) e os seus exércitos e partiu ao encontro de Annasser que, por sua vez, resolveu igualmente apressar a peleja e ir ao seu encontro. Tal facto teve como consequência encontrarem-se os exércitos em Alaacab, ou Las Navas (Navas de Tolosa) no dia 16 de Julho de 1212. Foi então aqui que a cristandade infligiu pesada derrota ao infiel e se iniciou o que havia de ser o fim do domínio muçulmano na Península Hispânica.

Tanto tempo levou a tomada de Salvaterra que se dizia que “tiveram as andorinhas tempo de fazer os ninhos, pôr os ovos, terem as crias e pô-las a voar”.
Do que aqui ficou escrito se pode ver a importância que teve a queda de Salvaterra, como ponto de partida para o que seria o fim do domínio árabe. Mas, igualmente parece concluir-se que seria Salvaterra uma fortaleza quase “inexpugnável”, uma vez que após a sua capitulação, os mouros a retiveram ainda por 14 anos, até 1226, data em que foi tomada por D. Sancho II, com a ajuda dos cavaleiros Templários. Se atendermos a que os territórios vizinhos estavam em mãos cristãs, de Castela ou de Portugal, podemos imaginar como seria difícil a sua conquista!

Também parece cair pela base a ideia de que D. Afonso Henriques teria estado em Salvaterra. Em 1212, ao tempo da queda de Salvaterra, esta estava na posse de Afonso VIII, de Castela e, tudo indica, à guarda da Ordem dos Templários, uma vez que já em 1150, Afonso VII tinha doado a esta Ordem os seus domínios e à Ordem de Calatrava, o castelo de Calatrava, a Velha.
O Afonso, pelos vistos, era outro!

(A conversão de datas do calendário muçulmano para o calendário Juliano, poderão ser só aproximadas e a data de aclamação de Annasser é a que se supõe ser a correcta, uma vez que há várias “gralhas” tipográficas na documentação consultada.
A imagem inferior (Batalha de Navas de Tolosa) é de um quadro de Van Halen, do Palácio do Senado, em Madrid e foi retirada da internet)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Cegada… num país perto de si!


Antes que o Carnaval se acabe, aqui fica mais um "protesto" dos meus!


Cegada… num país perto de si!

Num Carnaval, despudorado,
lá vai no corso, imponente,
um tal figurão, mascarado
de país, com cara de gente!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Do destempero e da folia
e em que nada parece mal,
como já dantes se dizia!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Dos maus tratos e pedofilia,
dos casos mortos em tribunal,
de violência e da Casa Pia!

Ai, Carnaval! Carnaval!
De tantos “amigos” do Vara
e desta “sucata” infernal
que faz a vida tão cara!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Duma vida de triste sorte,
e onde nada parece mal
aos “amigos” do Freeport!

Ai, Carnaval! Carnaval!
De vergonha nem um pingo,
onde um mero aluno, “normal”,
faz seus exames ao Domingo!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Onde o país está primeiro!
Onde qualquer um, afinal,
pode dizer-se engenheiro!

Ai, Carnaval! Carnaval!
A triste conclusão eu chego.
Um maior nível intelectual
só qualifica o desemprego!

Ai, Carnaval! Carnaval!
De escutas por todo o lado,
que nada valem, por sinal,
mesmo no Apito Dourado!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Dum TGV e dum aeroporto,
neste país, “fenomenal”,
que, vivo, parece morto!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Quem nos goza é quem diz
que este nosso Portugal
ainda há-de ser um país!

Ai, Carnaval! Carnaval!
A “coisa”, aqui, está preta!
Eles fizeram de Portugal
um país? Sim! Da treta!

Ai, Carnaval! Carnaval!
Desde o Algarve ao Minho.
Para onde irás, Portugal,
se seguires este caminho?

E se tudo isto é verdade,
e só o digo, no Carnaval,
de que serve a liberdade?
Ai, Portugal! Portugal!

Termino, pois, com carinho,
meus versos de Carnaval.
Não vás por esse caminho!
Ai, Portugal! Portugal!!!

Tenham um Bom Carnaval!

(Imagem retirada da Internet)

sábado, 5 de março de 2011

Máscaras... porquê?


Não sou grande adepto do Carnaval. Gosto de brincar, mas sem hora e data marcadas. Nunca me mascarei e de mascarados, em pequeno, fugia a sete pés. Também para mascarar, nesse tempo, no Algueirão, bastava uma meia da mãe enfiada na cabeça. E, como os mascarados, normalmente, pediam dinheiro para comprar e beber vinho, o sítio da boca estava sempre tingido de vinho. Era o bastante para me amedrontar. Na minha terra às máscaras chamam “caraças” ou, ainda melhor, “carantonhas”. Conclusão, como não gosto de máscaras, e nunca gostei, aqui vai o meu “protesto”!

Máscaras de Carnaval

Pôr a máscara para quê,
se ela não esconde tudo
e, aquilo que a gente vê,
não é mais que o Entrudo?

Poderá tudo esconder,
mesmo assim, nada tapa.
Os outros podem bem ver!
Aos outros, nada escapa!

Pode a máscara ser linda,
mas a beleza logo se esvai
e quando a mascarada finda
toda a falsa máscara cai!

Poderá até ser muito feliz
quem andar assim disfarçado.
Atrás da máscara ninguém diz
quem será aquele mascarado!

Máscaras! Que tradição!
Horrendas, ou muito belas,
não são mais que ilusão
p’ra quem se mete nelas!

As máscaras são ilusão,
não sou só eu quem o diz,
num pronto caiem no chão
se lhes estala o verniz!

Sob a máscara, escondido,
fazendo-se alma perdida,
isso é coisa sem sentido,
e tira o sentido à Vida!

E em toda esta mascarada,
é muito melhor, penso eu,
ter-mos na face, chapada,
a máscara que Deus nos deu!

Tenham um bom Carnaval!

quinta-feira, 3 de março de 2011

Efeméride … 3 de Março … mas, há 70 anos!


A guerra continua e o Mundo vai ficando “melhor”!

Por cá o Governo vai governando! Hoje, resolveu criar o Decreto-Lei nº 31 156 que, entre outras coisas, diz: A aquisição de viaturas como contrapartidas financeiras resultantes de contratos de fornecimento de outros bens ou como prémios, é da competência do Ministro das Finanças. Mas, também, no artº 6º este decreto estabelece quem poderá beneficiar da isenção de emolumentos e estipula essa isenção a favor do Estado relativamente a quaisquer actos notariais ou registrais em que este intervenha.

Também no Diário das Sessões, da Assembleia Nacional, se transcreve a Proposta de Lei nº 130, “dispensando das condições normais de promoção os oficiais do exército ou da armada que desempenhem os cargos de Ministro ou de Sub-Secretário de Estado”.
Alguém se deve ter sentido ultrapassado e logo no Diário das Sessões do dia 8 a mesma proposta saía, já alterada!

Na primeira página do “Diário de Notícias, podemos ver e ler:

-O orçamento do comissariado do desemprego alcança mais de 105 mil contos!
Para aqueles tempos era obra!
- Uma homenagem da redacção do “Diário de Notícias” ao Dr. Augusto de Castro.
- Foto com a seguinte legenda:
No parque de Palhavã, entre árvores frondosas, a Mocidade Portuguesa passa. Disciplinada e instruída, domingo após domingo, pelo Capitão Ribeiro Viana, director da Escola Central de Graduados.
- A nossa subscrição para as vítimas do ciclone já atingiu os 423 contos!

Osvaldo Orico falará hoje à noite, na sede do “Diário de Notícias”, sobre “As dez obras primas da Literatura Brasileira”.

Comemoram-se, o 1º aniversário da escola profissional do Sindicato dos Ferroviários do Centro de Portugal e o 2º aniversário da eleição de S.S. Pio XII.

O corpo de Alfonso XIII, de Espanha, ficou depositado na igreja espanhola de Roma, de onde será trasladado para o Escurial.

No Teatro Apolo, Vasco Santana e Mirita Casimiro fazem as delícias do povo na revista “A Grande Paródia”.

No futebol, devido à vitória brilhante do Belenenses sobre o Benfica, 5-3, o Sporting, vencedor do Unidos por 4-2, voltou ao primeiro posto da classificação.

Está em curso “A Reorganização e Desenvolvimento da Indústria Nacional”. O que se vai fazer para efectivar o grande plano de fomento em estudo.
Pelos vistos o problema já é antigo! Se houvesse dúvidas…
Numa das páginas de anúncios do “Diário de Notícias”, pode ler-se:
“Oxigenai o sangue, assim acabareis com a fadiga!”
Em tempo de guerra, não há dúvida que dava jeito!
O rei Carol, da Roménia, conseguiu entrar em Portugal escapando à vigilância da polícia secreta espanhola.

No Brasil, em Sorocaba, começa a comemorar-se, no dia de hoje, o aniversário da sua fundação.
Facto que só acontecerá até 1952 porque, afinal, não irão descobrir tão cedo o papelinho onde isso está escrito! Brazuquices!

Apesar de tudo isto, na esperança em dias melhores (sempre a eterna Esperança), há mais alguém que decidiu, neste dia, ver o Mundo pela primeira vez!

Nos Estados Unidos da América do Norte, em Boston, nasce um indivíduo do sexo masculino, raça negra, a que foi dado o nome de John Thomas (o “João Tomás”, americano). Irá ser praticante de atletismo, saltando 2,20 m baterá o recorde mundial do salto em altura e estará presente nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960.
Melvin Thomas Avants, filho de um tal John Thomas (tinha que ser) Avants, nasce algures no Texas, também nos EUA.
Casimir Joseph, nasce em Port-au-Prince, no Haiti. Será pintor, especializando-se em pintar cenas históricas e miniaturas.
Gerrit de Bruin, nasce em Roterdão, na Holanda. Será matemático.
Vladislav Shoot, nasce em Vosnessensk, na Rússia. Será compositor de música clássica.
Entretanto, enquanto uns chegam, alguém se despede deste mundo, como é o caso de Constant W. L. Scheurleer. Arqueólogo, banqueiro e perito de arte. Tinha 59anos.

Por fim, uma nota mais alegre. Então não é que, no meio de toda esta desgraça, se realiza hoje a primeira excursão às amendoeiras floridas de Barca de Alva? Haja alguma coisa que alegre o bom e pobre povo que da guerra só vai sentir o cheiro e a falta de alimento, mas que nem por isso irá ter grandes razões para se sentir muito feliz! O futuro não ia ser muito risonho!

Mas, o facto mais importante deste dia!
Em Salvaterra do Extremo, no concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, havia alegria numa casa da Quélhinha e, filho de José e Maria, nascia mais um cachopo, a que os pais iriam dar o nome de João, tal qual o nome do avô materno!


(O postal ilustrado é relativo ao 1º aniversário e foi-me enviado pelo meu tio e minha avó, meus padrinhos. Haverá aqui alguma premonição, pois o facto é que andei embarcado e de "barquinhos" seria a minha vida profissional!)

terça-feira, 1 de março de 2011

Eu e… as primeiras letras”!( 4 ) Os meus companheiros

Mal ficaria se eu, a terminar esta minha resenha sobre as primeiras letras, não lembrasse todos os meus companheiros da viagem primeira.
Assim, cá vão os nomes de todos eles. Se por acaso algum faltar, ficam as minhas desculpas e o meu abraço de amizade e saudade. Bem hajam, todos eles!


Da 1ª à 3ª classe:
O Gabriel, da Baratã, bastante alto para a idade mas também mais velho (já teria uns 11 ou 12 anos), bastante pobre, era um bom rapaz embora não muito bom estudante.
O Quintino, que morava no Algueirão, cujo pai era caseiro numa quinta. Aluno médio.
O Eduardo, era com quem eu me identificava mais, quer como maneira de ser, quer intelectualmente. Normalmente, estávamos os dois no “top” da classe.
O Eugénio, o João António, o Rato, o Pinto, o Peralta (que se transferiu para Almada), o Valdemar, o Gaspar e o Luís que também morava no Algueirão de Baixo e que era de Figueiró dos Vinhos e minha companhia no trajecto diário (de família muito humilde, quase sempre descalço, tinha um irmão mais novo e umas calças que dariam, possivelmente, até ir para a tropa uma vez que iam encolhendo na proporção em que ele ia crescendo. Não era muito asseado, no entanto, um aluno acima da média).
Meu amigo, companheiro de muitas horas era o Lino, que embora da minha idade andava um ano atrasado, em relação a mim.

Na 4ª classe:
O Bastos era o meu companheiro de carteira, um forasteiro como eu, embora já com uns dias de avanço. Era de Albergaria-a-Velha. Ainda mantemos contacto. De sargento, foi a oficial da Marinha de Guerra.
O João Luís ,esperto e muito falador, pequenino e gordito, morava ali para o fundo da Calçada Salvador Correia de Sá. Vive no Rio de Mouro.
O Morgado, menino fino que por vezes a mãe acompanhava à escola. Morava ali para a Travessa do Alcaide. Deu em embirrar comigo por me achar pouco citadino e por isso andámos à chapada, a partir daí fomos amigos. É o costume!
O Aníbal, morava na rua do Vale, a Jesus, portanto perto de mim e por isso fomos companheiros de algumas sessões de estudo, ora em minha casa, ora em casa dele.
O Garcia, quanto a mim era o mais vivo da classe. Pequenino e esperto. Muito falador. Julgo que não tinha pai. Morava na Rua Fernandes Tomás. Tinha uma imaginação muito fértil.
O Rita, bastante calado e compenetrado. Talvez o mais calado da classe. Já falecido.
O Salgueiro, havia uma coisa nele que me deixava encantado, uma esferográfica (uma raridade naquele tempo) que escrevia com uma tinta de cor arroxeada, invulgar. Vive na Ericeira.
O Rato (aqui, como no Algueirão, também havia um Rato), alegre e parceiro do Machado. Vive em Coimbra.
O Machado, vivo sem ser muito expansivo e com um nível acima da média. Vive em Barcelos.
O Nelson, vivo, cabelo liso, tez branca. Vive em Queluz
O Jerónimo, alegre, era parceiro do Fonseca e do Abrantes. Poucos anos mais tarde ainda o encontrei.
O Abrantes, ponderado. Era baixo para a largura de ombros.
O Fonseca, mais expansivo, pequeno defeito numa das vistas, o que lhe fazia abri-la um pouco mais que a outra. Faleceu devido a um acidente de mota, na curva do Mónaco, na marginal.
O Pernas, bastante aberto e companheiro, morava para os lados da rua da Quintinha.
O Venâncio, vivo e falador, morava na Rua de S. Bento. Acompanhava com o Pernas.
O Neto, alto, casaco castanho escuro ou camisa branca de meia manga. Já falecido.
O Carvalho, para nós o “Carvalhinho”, franzino, muito vivo e brincalhão.
O Marques que, por estranho que pareça, não me recordo nada dele mas, que lá estava isso é certo!
O Trindade, penso que já seria repetente e pelo que eu ia vendo ia gostar de continuar a ser. De origem humilde, suponho que a mãe ou o pai, a pedido da professora ou por sua própria vontade, de vez em quando tinham algumas conversas acerca do “rapazito”.
Parecia-me que estudar não seria o seu forte. Por isso, bastas vezes tínhamos o Trindade como bombo da festa. Era reguada que até fervia.
Os anos passaram e tive o grato prazer de encontrar o Trindade, agora no estaleiro da Lisnave, nos rebocadores. A vida dá muitas voltas e pelo que me foi dado a conhecer, o Trindade mudou muito e também ele, apesar das reguadas, não esqueceu a D. Maria.
O Campos, suponho que morava na travessa do Judeu. Suponho que também era repetente e não muito frequentador das aulas nem muito interessado nisso.
O Almas, aluno mais velho, morava perto da Professora, na rua dos Cordoeiros. Pouca assiduidade.
O Espadeiro, mais velho, alto, magro, normalmente de casaco. Pouca assiduidade, repetente ou em preparação para o exame de admissão.
O Maximino, andava a preparar o exame de admissão.

Excepção feita ao Trindade, ao Campos, ao Almas e ao Espadeiro, todos os outros fizeram exame de admissão. Ao liceu, só o Machado e o Rato. Ao curso comercial, o Morgado, o Rita, o Salgueiro, o Pernas, o Neto, o Maximino, e eu (que havia de mudar antes de entrar). Ao curso industrial, os restantes. Foi uma boa safra!

Apesar de tudo, não tive grandes problemas de integração, até porque, Morgado à parte, nenhum dos novos colegas me criou problemas, virtude deles ou minha que também os não provocava. Tanto assim que criei realmente amigos que ainda hoje recordo e com quem me dei sempre bem. Claro que em primeiro lugar tenho que colocar o Bastos, que me facilitou a vida não só à minha chegada como durante o período em que estive doente.

Entre 1995 e 2000 um outro antigo aluno da Escola nº 8, por acaso, contactou-me e fiz um trabalho de pesquisa, quase detective. Consegui não só encontrar grande parte desses meus colegas como ainda de nos reunirmos num almoço. Foram momentos de grande emoção e saudade. Já não nos víamos, havia quase 50 anos!