Este blogue foi criado após insistência de muitas pessoas, amigas (assim as considero). Porém não vou utilizá-lo só para a promoção da minha terra, Salvaterra do Extremo, vila de 780 anos, situada (para que conste) no concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, na província da Beira Baixa. Vou igualmente tentar diversificar os assuntos e trazer aqui alguns que são do meu interesse e espero que sejam do interesse de mais alguém. Mais um leitor que seja, já valeu a pena!
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
O Madeiro em Salvaterra
Vou falar duma tradição que desconheço, quase totalmente, porque nunca a vivi.
Refiro-me ao “Madeiro”!
É uma tradição milenar que ainda se vai mantendo, principalmente, em terras das Beiras e de Trás-os-montes.
Em Salvaterra do Extremo consta que, nos primeiros dias de Dezembro, (penso que no dia 8), os rapazes, jovens mancebos, em idade de “ir às sortes”, afim de cumprirem o serviço militar, cumprindo um ritual da sua passagem a homens, juntavam-se e pegando numa junta de bois e num carro, durante a noite, iam em busca de lenha. Essa busca, um misto de devoção e irreverência daquela juventude, consistia no “roubo” de troncos de árvores. O “Madeiro” seria tanto melhor quanto maiores e mais grossos fossem os troncos. Tal facto não era muito do agrado dos proprietários a quem fora retirada essa lenha, mas havia que aceitar e mostrar devoção.
Acabado o “golpe de mão”, já alvorada, lá vinha o carro carregado de lenha, no meio de grande festa dos jovens, até que chegava ao Adro, onde era depositado para ficar bem à vista de todos os que, sabedores do que se passava, ali acorriam para admirar aquilo que seria motivo de festa maior quando, na noite de 24, se lhe “apitchasse” um fósforo e ardesse até ao Ano Novo.
O Menino não ia ter frio e o povo também não!
O povo, além da alegria do nascimento do Menino, tinha o hábito de levar algumas brasas para casa para atear a sua lareira e manter o "borralho" que lhes aqueceria o corpo e a alma.
Hoje em dia, tal como em Salvaterra, muitas terras vão ficando desertificadas, os jovens escasseiam e a tradição é mantida pelas poucas pessoas, já sem o aparato de antigamente. Talvez só, na noite de Natal, façam uma fogueira o melhor que podem e sabem e assim revivam os seus tempos da mocidade!
Aproveito para dar a conhecer um belo poema do nosso conterrâneo, tenente Manuel Dias Catana, escrito em Castelo Branco, em 26 de Dezembro de 1970:
O Madeiro
(Em Salvaterra do Extremo)
Dezembro, vinte e quatro. O Madeiro arde
No Largo que defronta a velha Igreja,
Aceso nesse dia, ao fim da tarde,
Conforme a tradição manda que seja.
Os moços cantam loas a Jesus
Em torno do Madeiro incendiado.
Na Igreja, o Presépio é todo luz,
Onde está o menino reclinado.
Para a “Missa do Galo”, as raparigas
Passam no Largo que o braseiro aquece,
Enquanto os moços põem nas cantigas
O fervor e a unção de ardente prece.
Batendo no Madeiro, fazem brasas
Para aquecer Jesus, o Salvador.
Há cheirinho a filhó em muitas casas;
Nos lares há Presépios, paz e amor.
Reúnem-se as famílias, há presentes;
Há cânticos e risos de alegria.
Recordam-se os amigos e os parentes
Que ganham longe o pão de cada dia.
Repicam sinos. Há em toda a terra
Festa em louvor do santo nascimento.
Que ela traga consigo o fim da guerra,
A paz ao mundo, alívio ao sofrimento!
Natal! Festa de amor entre as famílias,
Da qual dimana um fervor divino!
Que saudades eu tenho das vigílias
Dos meus Natais do tempo de menino!
Nota: As fotos são da autoria de Daniel Martins e foram retiradas do Facebook.
A gravura é do livro “Etnografia das Beiras” da autoria de Jaime Lopes Dias.
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Olá amigo João,
ResponderEliminarInfelizmente, já não posso mostrar a meu filho essa tradição, mas eu própria vivi-a há muitos anos.
Era criança e guardo-a na memória com muita saudade. Recordo-a como sendo o melhor Natal que tive até hoje. Não me lembro da chegada do madeiro, mas lembro-me perfeitamente de meus avós, e de estarmos todos juntos a aquecer-nos, na noite fria, junto ao madeiro. Lembro-me das chamas altíssimas que dele saiam, e do fascínio que me causava tudo aquilo… Como era criança de pequena altura, talvez por isso as chamas me parecessem ainda maiores…
Que saudades! Hoje são estas recordações que aquecem meu coração…
Desejo-lhe um Natal muito Feliz, junto de seus entes queridos, e que este se repita por muitos e longos anos…
Boas Festas!
Olá, Cristina!
ResponderEliminarEu próprio, como o refiro, nunca vivi tal tradição. Apenas a conheço de ouvir meus pais falarem sobre ela.
O poema do tenente Catana, parece-me bem descritivo do momento que se vivia.
Agradeço e retribuo os seus votos de Natal muito Feliz para si e todos os seus.
Bem haja,
João Celorico
Olá João , vou ver se ponho mais umas fotos dos 9 «madêros » da Idanha a arder . Foi uma noite óptima que de «madêro em madêro durou inté ás 4 da manheim ».
ResponderEliminarVotos de Um BOM ANO
Quina
João
ResponderEliminarFelizmente, também na minha aldeia ainda se mantém esta tradição.
Aproveito para desejar um Ano Novo pleno de paz, saúde, amor e alegrias para si e para sua familia.
Beijos
Lourdes
Sou oriundo duma aldeia do Concelho de Castelo Branco, tenho 78 anos, e recordo com muita nostalgia o Madeiro do adro da Igreja, aceso ao Pôr do Sol do dia 24 pelos homens da aldeia, e perdurando até cerca do Dia de Reis.
ResponderEliminarAté à Missa do Galo os homens rodeavam o Madeiro cantando ao Menino Jesus, enquanto, em casa, as mulheres faziam as flhós na caldeira de azeite dependurada nas cadeias da lareira.
FSL