sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ecos da Vida Rural ...

Muito se fala de agricultura mas muito poucos se lembrarão de como era a vida rural. E, é talvez por descargo de consciência que, hoje em dia, se levam as crianças a ver uma qualquer “quinta pedagógica”. As “quintas pedagógicas”, são como que a face romântica da agricultura. É quase como se fôssemos visitar o Jardim Zoológico, onde, tal como a vida rural, as espécies estão em vias de extinção. E, se bem que, no presente, tenham a sua utilidade, penso que a sua maior utilidade será no futuro, quando as novas gerações conseguirem interiorizar os ensinamentos que lhes forem sendo deixados. É um prazer ver as crianças fazendo descobertas e abrir os olhos de espanto tocando animais que qualquer criança do país rural conhece como a palma das mãos.
Sem verdadeiro conhecimento de causa, pouco poderei dizer, pois saí da minha terra com pouco mais de 3 anos. No entanto vou tentar. Oxalá não ande muito longe da verdade.
Dantes as famílias iam para os campos, seu local de trabalho. Não tinham horário fixo, de entrar às 8 da manhã e sair às 5 da tarde. Não tinham semana inglesa e o domingo nem sempre. Começavam o trabalho ao alvorecer do dia e só terminavam quando o sol se punha.
Deslocavam-se, com armas e bagagens, que é como quem diz, com o burro, o cão e não levavam o gato e o periquito porque em vez destes levavam galinhas. Todos tinham a sua utilidade. O burro, para o transporte dos seus pertences (normalmente, cada um fazia o percurso a pé, ao lado do animal que já levava carrego que bastasse), o cão para guarda e defesa e as galinhas para irem pondo uns ovitos. Eram galinhas que andavam à solta no campo e o maior problema era saber onde elas punham os ovos. Por vezes atavam-lhes uma linha a uma das patas para poderem seguir até ao seu poiso. Cumpre-me aqui lembrar a nossa “burrica” e o cão, o “Piloto”.
Os locais de trabalho, na ceifa, eram as “Nave Longas”, o “Coito”, a “Apartadura”, a “Batanada” e outros que decerto haveria mas de que não tenho de memória.

As famílias que iam para esses locais, construíam a sua própria casa, a “choça”, feita de colmo, onde faziam a sua vida enquanto durasse o período da ceifa. Ao seu local de habitação, chamavam, o ”fato”.
Tarefa dura, feita no Verão, sob a inclemência do sol, estava sujeita a todos os problemas da vida no campo. O homem ao lavrar e ao segar as searas, destruía o “habitat” natural de aves e répteis, tais como cobras, lagartos e lacraus e, por vezes, sofria o ataque ou, melhor dizendo a defesa destas.
As aves, os “milhanos”, atacavam os pintainhos e até as galinhas e os répteis, principalmente os “bitchos alacrários”, usavam as suas picadas para pôr em alvoroço e em sofrimento quem as sofria. Claro que a “bicharada” ao ser escorraçada do seu “habitat” natural, ia aparecendo pelos caminhos, mais junto à povoação e até mesmo na povoação. Porém, mais importante que todos esses problemas que a natureza lhes criava, eram as “maleitas” ou “sezões”, doença temida por todos e origem de muita mortalidade infantil após as ceifas.
A alimentação, frugal, eram o “gaspacho”, umas migas, feijão ou grão, azeite, só uns olhinhos dele que não se podia gastar muito, pão, queijo, chouriço e azeitonas, tudo por conta e medida! E, depois dum sono, que não devia tardar, de tal modo o corpo o pedia e que se esperava fosse reparador, o novo dia começava bem cedo!
Hoje, com os campos por cultivar, a vida animal refaz-se um pouco e retornou aos campos deixando mais livres os povoados ou, mais propriamente, os despovoados. As pessoas ouvem falar que a vida era difícil e as “quintas pedagógicas” só lhes podem dizer quão bonito é ver uma planta a crescer ou uma árvore a dar fruto, não lhes diz o quanto sofrimento esteve na sua origem!
Naquele tempo não havia Novas Tecnologias, nem Novas Oportunidades. Não havia nada novo, além dum Estado que diziam Novo. Não havia Serviço Meteorológico. As Oportunidades eram Únicas e eram os velhos que ensinavam, num conhecimento ancestral, olhando para o céu, a saber se ia fazer sol, chover ou ventar. A saber qual a melhor época para semear e para colher. Fazer matanças e preparar as carnes. Fazer queijo e pão. E, dizem, que não tinham tecnologia…
Quem, hoje, é capaz de fazer isso?

( imagens retiradas de portugal.ecovillage.org ; arquivo digital (cena de ceifa em Assequins) ; paradadegonta.blogs.sapo.pt ; oreinodosanimais.blogspot.com )

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