Saudades do Algueirão, mas de quando o Algueirão era o Mundo, o meu! Não este de agora em que é um mundo inter-racial mas com falta de identidade ou à procura da mesma.
Um Algueirão Velho, ou de Cima, que quase se mantém na mesma, mas só quase. Lá está ainda a sede do clube, o “Recreios Desportivos do Algueirão”, “a sociedade” como lhe chamávamos, o freixo, talvez centenário e defronte, agora, um arremedo de jardim, onde fora o “campo da malha”. Faltam, a taberna do ti’Agostinho ostentando nas paredes pinturas alusivas aos caçadores que como é natural frequentavam a casa; a taberna do Manecas, tendo o balcão ao fundo e nas prateleiras, por cima, lá estavam as botijas (seriam de aguardente?)**, que depois de usadas eram utilizadas no inverno para, com água quente, aquecer as camas de cada um.A minha casa, com o freixo defronte, era o centro do Mundo!
Daí, eu partia, em frente, para o atalho que um dia seria o meu caminho para a Escola Primária e iria descobrir outros mundos. Para a esquerda, pela estrada de terra batida, passava defronte da “sociedade” e chegado ao cruzamento com a estrada Lisboa-Sintra (que só havia esta e hoje se chama Rua da Associação), já alcatroada, podia escolher que caminho podia seguir. E é deste cruzamento que vou reviver os vários itinerários. Assim, para a direita e ligeiramente a subir, no sentido de Lisboa, meia dúzia de vivendas, dum lado e outro da estrada, passava o campo de futebol, terreno pelado e, mais à frente, outra meia dúzia de casas, estas já antigas e de piso térreo. E era ali, onde a estrada continuava, descendo até à Baratã e uma outra, a das Mercês, do lado direito confluindo com esta, e lá estava o edifício, térreo, de 4 salas de aula. A Escola Primária do Algueirão, hoje transformada em “stand” de motorizadas!
Então, podia continuar mais um pouco na direcção da Baratã e, terrenos do lado esquerdo, encontrávamos do lado direito o “Pinhal do Escoto”, aprazível local de frescura, muito procurado pelos veraneantes, pela sua sombra e água fresca que brotava duma mina. Hoje, esse pinhal, que se estendia até à estrada das Mercês, parece ter sido todo arrasado, encontrando-se aí localizados um “hipermercado” e uma “bomba de gasolina”. Também a “Tapada das Mercês”, espaço enorme, onde se fazia a “Feira das Mercês”, se comiam as castanhas e se provava a “água-pé”, desapareceu e se transformou num grande projecto imobiliário.
Voltando ao cruzamento inicial, seguindo em frente, pela estrada da Barrosa, terrenos dum lado e outro, ao fundo uma quinta e, mais uns metros à frente, após uma ligeira subida, lá estávamos, bem no alto, junto ao “Pinoco”, marco geodésico que me habituei quase a “venerar”. Para mim, era um local importante. Era o mais alto e, dali, tudo se via em redor. Lá estavam o Palácio da Pena, o castelo dos mouros e toda a zona “saloia” envolvente. Por vezes, que eram muitas, se o vento ajudava, lançavam-se os “papagaios” e ouviam-se os sinos de Mafra, enquanto se viam e ouviam as avionetas que aterravam e descolavam ali mesmo, na Granja! Soberbo!
Por último, se fosse para a esquerda, descendo a estrada para a Granja (“Granja do Marquês”), no sentido de Sintra, tinha à direita a loja do Crispim (possivelmente o homem mais rico da terra), uma casa anexa e um enorme pátio interior, onde até uma tourada lá se fez. Do lado esquerdo, a casa do Crispim com a sua capela, que servia a povoação. Depois a barbearia, pequena e de que recordo, nas paredes, calendários e quadros alusivo à 2ª Guerra Mundial. Lá estavam, fotos da Royal Air Force e da família real inglesa. Continuando, até que a estrada começava a descer, haviam, do lado direito, algumas casas e um muro, revestido de desperdício de azulejos, muito colorido. Chegados ao início da descida, onde um dia vi a passagem dos ciclistas da Volta a Portugal, mas na subida, levando o José Martins até Lisboa (Estádio Nacional) para a consagração final. Do lado esquerdo, avistava Sacotes, pequena povoação que, para mim, era outro mundo. Ainda por cima havia toda uma história referente a um indivíduo, o “Maneta”, que tinha sido encontrado morto em casa e que se dizia ter caramelos lá em casa que, de vez em quando, dava aos miúdos. Jurei nunca mais comer caramelos. Podiam ser do “Maneta”!
Prosseguindo, estrada abaixo, chegava junto à pista do aeródromo da Granja (Base Aérea nº 1), a qual atravessava a estrada. Era estranho e originou alguns acidentes entre avionetas e automóveis, embora estes fossem raros nesses tempos.
Muito também do conhecimento geral eram os voos a que os pais tentavam levar os filhos com tosse convulsa, pois se dizia que fazia bem e talvez fizesse. Só que, por vezes, o azar bate à porta e houve um caso de avioneta caída e morte dos ocupantes. E, terminaram os voos!
Da Granja para lá, Pêro Pinheiro ou Montelavar, isso eram outros mundos!
Em linhas gerais, este era o meu primeiro Mundo, atendendo a que esta seria a minha terra de adopção.
** Só há poucos dias soube que essas tai botijas, eram de "Licor de Genebra"
(continua)
Caro amigo
ResponderEliminarColoquei hoje uma fotografia sua dos Recreios Desportivos do Algueirão no meu blogue http://coutinho-afonso.blogspot.pt/.
Gostaria também de publicar integralmente este seu texto sobre o Algueirão (Velho), de onde sou natural e residente próximo.
O meu e-mail é vitormareis@gmail.com.
Cumprimentos,
Vítor Reis