Um navio, é como um filho de ... muitos
pais!
Pais que o concebem, pais que o constroem e
pais que o amparam durante a sua vida. Pena é que alguns maus pais, ou
padrastos, lhes encurtem a vida, propondo-lhes, qual “eutanásia”, a morte
prematura.
Nunca tive nenhum interesse especial pelo
mar ou, em particular, por navios. A minha curiosidade, quando levado a
passear, pelo meu irmão, limitava-se a olhar os navios e ler os seus nomes e aí
sim, eu era curioso. Achava imensa graça ao “Sete Cidades” e ao “Sofala”. O
primeiro porque pensava que era enorme, a avaliar pelo nome e o segundo porque
bastava acentuar o “ó”!
Quis o acaso que aos 14 anos eu fosse
trabalhar para o Argibay e, curioso, conhecer toda a frota dos Carregadores
Açoreanos e não só contactar com o “Sete Cidades”, mas já era outro mais recente, como também com o
“Pêro de Alenquer”, navio ainda a carvão, o “Lagoa”, o “Monte Brasil”, o
“Horta”, o “Ribeira Grande” e o “San Miguel”. Fiquei também a conhecer o navio
dos pilotos, o “Pedro Rodrigues”.
Menos de um ano depois, ingressei na AGPL e
tive ocasião de conhecer toda a sua vasta frota, de lanchas, rebocadores,
cábreas e dragas. O convés da cábrea “António Augusto de Aguiar”, a borda falsa
do “Cabo Espichel” e o pontão de embarque da Trafaria, têm a marca da minha
picadeira, tal como os tanques e porões da draga “Guadiana”, também não me
desconhecerão.
Isto serve para dizer que, excluindo a fase
de concepção e a de “morte assistida”, em todas as outras eu me vi envolvido.
À fase de construção, bem cedo, ainda miúdo,
eu fui assistindo. Sem particular interesse, como já referi. Apenas se dava o
caso de eu passar, frequentemente, na avenida 24 de Julho, defronte das
carreiras de construção do estaleiro naval da CUF e, aí, fui assistindo ao “nascimento”, com grande "alarido" da cravação, do “Conceição Maria”, do “António Carlos”, do “Alfredo da Silva”, do “Ana
Mafalda”, do “Rita Maria”, do “Manuel Alfredo”, dos pesqueiros “Praia de Algés”
e “Praia de Cascais”, dos draga minas “S. Roque”, “Lagoa”, “Ribeira Grande” e
“Rosário”. Durante a construção destes últimos já eu trabalhava bem próximo,
mesmo ali ao lado, na AGPL. Navios com o casco em alumínio, uma novidade, não
havia operário que não se aproveitasse dum bocadinho de chapa de alumínio, para
aí com 10 ou 12 mm de espessura. Ainda vi o “Maria Christina”, o “Mira Terra”,
o “Silva Gouveia” e o “Santo Antão”. E, foi quando já trabalhava no estaleiro
que assisti ao bota fora do “Chinde” e do “Angoche” e das barcaças para a
Guiné, “Cacheu” e “Bolama”, que utilizavam um meio de propulsão, algo parecido
com o “Voight Schneider”, de acordo com as águas onde iam operar. A partir
daqui, já na Sala de Desenho, foram duas lanchas para a Guarda Fiscal e uma
para a Polícia Marítima, esta em casco de fibra de vidro, da “Vickers”, mais
outra inovação! E, só depois disto, comecei a “mexer”, apenas um pouco, na
concepção do arrastão “Magnus Heinason”, para as Ilhas Faroe. Era
a construção nº 189, foi lançado à água em 3 de Novembro de 1960 e entregue em
1961. Na sequência de outros que o antecederam, com o mesmo nome, a este
coube-lhe ser desmantelado em 1974, para dar lugar a um “Magnus Heinason” mais
novo e mais moderno!
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O arrastão "Magnus Heinason" (retirado de www.trawlerphotos.co.uk) |
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O "Magnus Heinason" em sêlo das Ilhas Faroe (retirado de www.shipstamps.co.uk) |
Seguiu-se o
“Sacor”, navio petroleiro para a Sacor Marítima.
Construção nº 188 (ou seria a nº190), lançado à água em 11 de Julho de 1960 e
entregue em 1961.
Comprimento total de 76,50m
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O navio-tanque "Sacor" (retirado de www.naviosenavegadores.blogspot.pt) |
Chegou, então, a vez do “Ponta Delgada”,
navio misto, de carga e passageiros, para a Companhia Insulana de Navegação.
Construção nº 191 (*), foi lançado à água e entregue em 1961.
Tinha um comprimento total de 67,17m e
destinava-se a fazer a ligação entre ilhas, nos Açores.
Em 1988, em Lisboa, ficou imobilizado e o
abandono foi tal que passados 13 anos, em 2001, vítima desse abandono e
vandalização, sofreu um alagamento e afundou, no cais do Poço do Bispo. Como se
isso não bastasse, só em Dezembro de 2007, qual “levantamento de ossadas”, foi
desmantelado, ali mesmo!
Triste fim para um navio que eu,
pessoalmente, não achava muito esbelto mas, os feios também têm direito à vida!
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O "Ponta Delgada". Entrada na doca da Horta, ilha do Faial. (Foto da autoria de Maria Teresa, retirada de www.casadotriangulo.com) |
(*) Não sei porque “carga de água”, já algures eu afirmei que este navio
era a construção nº269! Deve ser o meu “disco rígido” a falhar, digo eu! Aqui
ficam, a correcção e as minhas desculpas.)
E coube ao “Rita Maria”, que tinha sido “acrescentado” em
1959, sofrer, em 1961, uma remodelação total do aparelho propulsor e do
equipamento da Casa das Máquinas e redes de fluídos, como já em “post” anterior
eu referi.
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O "Rita Maria" (retirado de www.restosdecoleccao.blogspot.pt) |
Após este trabalho, seguiu-se um salto qualitativo, como agora se diz. Foi
o caso do grande avanço tecnológico que se verificou com a construção das
fragatas, tipo “Dealey”, para a Marinha de Guerra e que ficaram conhecidas como
da classe “Almirante Pereira da Silva”. Com muita pena minha,
depois de ter esmiuçado tudo quanto era desenho e especificação, a prestação do
serviço militar na marinha mercante não me permitiu acompanhar a construção
destas unidades. Porém, as especificações MIL-F-1183 e MIL-D-20236, nunca me
sairão da cabeça tal como os desenhos BuSHIPS, tal foi o envolvimento durante
mais de 1 ano.
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A fragata NRP F472"Almirante Pereira da Silva", Tejo fora, rumo ao mar |
No período de cumprimento do serviço militar, a partir de fins de 1963 e
durante quase 3 anos, coube-me, também como já aqui relatei, fazer a condução
das máquinas do navio “Angola”, paquete da CNN. Após este período, seguiram-se
6 meses na Marinha de Guerra, durante os quais fiz uma breve passagem pelo
draga minas M407 “Angra do Heroísmo” e pelo patrulha P591 “Fogo”.
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O draga-minas, NRP M407 "Angra do Heroísmo" (retirado de www.velhosnavios.blogspot.com) |
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O patrulha NRP P591 "Fogo", no Tejo, defronte de Belém. (retirado de www.velhosnavios.blogspot.com) |
Regressei à vida civil e ao estaleiro da Lisnave onde, em 1968, o “Santa
Mafalda”, navio de pesca de arrasto pela popa, para a EPA, Empresa de
Pesca de Aveiro, esperava pelos meus “doutos” conhecimentos para lhe fazer a
implantação da Casa das Máquinas e entre outros afazeres, lá tive de inventar
uma mesa de comandos, amovível, montada numa porta, tal a exiguidade do espaço
disponível.
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O arrastão "Santa Mafalda, em Lisboa, rumo ao mar!
(retirado de www.prof.2000.pt) |
Por último, tive alguma intervenção na instalação e teste dos equipamentos
do navio tanque “Larouco”, petroleiro de 81.170 ton, casco
construído na Alemanha, segundo os planos do navio alemão “St. Michael”, para a
Soponata (Sociedade Portuguesa de Navios Tanques), lançado à água em 1968 e
entregue em 1969.
Até 1973, foi o maior navio da frota portuguesa. Em 1981 foi vendido a uma
companhia grega.
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Navio tanque "Larouco", fundeado. Pronto para começar a navegar! |
E aqui terminou a minha fase de envolvimento na “formação” de navios. Agora
havia que os tratar, reparando-os quer interior, quer exteriormente.
Foi por isso que, sabedor de que o navio, como qualquer pessoa, necessita
de tratamentos mas também de instalações onde se possam fazer essas
intervenções, estive envolvido no projecto e implantação dessas “unidades de
cuidados de saúde”, os estaleiros navais. Nestes eu posso enumerar, os
estaleiros de Jeddah, na Arábia Saudita, São Vicente, em Cabo Verde, Bissau, na Guiné, Lobito, em
Angola e Mormugão, na Índia.
Muitos outros navios foram passando por mim. E eu, por eles! Porém, os aqui referidos, foram os principais!
Para quem nunca sonhou com “barquinhos” e parecia estar-lhe reservado um futuro como "manga de alpaca", convenhamos que não foi pouco!
(Nota, pós colocação deste "post":
Foi-me dado a saber que a foto do "Larouco", no "post" inicial, seria uma foto "pirateada" e assumida por outrém que não o verdadeiro autor. Perante tal facto, recorri ao meu acervo (Lisnave) e corrigi a situação, aproveitando para fazer o mesmo em relação à foto da fragata "Almirante Pereira da Silva". Creio, assim, ter resolvido o problema!)