quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Episódio da Guerra da Restauração, em Salvaterra. O sarg.º - mor, António Soares da Costa, um traidor ? ( 2 )



CRONOLOGIA


1)      Em Março de 1655, D. Alonso de Sande y Ávila, governador militar de Ceclavin, com promessas de mercês várias, tentou persuadir António Soares da Costa a entregar-lhe a fortaleza de Salvaterra do Extremo. António Soares da Costa, decerto dum modo astuto, mostrou-se receptivo à ideia mas, de imediato, comunicou a D. Nuno da Cunha de Ataíde, Tenente General do Partido de Penamacor, em substituição de D. Sancho Manuel, que também sem perder tempo, informou D.João IV.

Claro que isto é a versão lusitana. A versão espanhola é exactamente inversa, dizendo que foi António Soares da Costa que se ofereceu a D. Alonso. Até pode ter sido, mas não só não faz grande sentido como toda a documentação conhecida a desmente.
Decerto não ficaria bem a Espanha reconhecer que um seu fidalgo, tido de grande inteligência, exorbitando das suas qualidades, ou sendo ingénuo, subestimando a inteligência do oponente, tinha tentado apoderar-se da fortaleza aconselhando-o a trair a sua Pátria e que para isso até teria usado o selo do Rei de Espanha. Assim, o desaire só teria sido possível devido a alta “traição” do outro e não ao pouco cuidado posto na empresa e a imagem de Espanha e dos intervenientes ficaria limpa!
A tudo isto acresce que, nunca se saberá se Espanha, apesar de todas as promessas feitas, as iria cumprir, uma vez que da posse da fortaleza, não seria fácil a António Soares da Costa fazer cumprir o que nas cartas estava escrito e se o não fosse, em Portugal também não teria futuro. Mesmo em Espanha, a sua vida estaria ameaçada. Muitos outros, não viveram para contar!

2)      Em 13 de Abril, já uma carta de D. João IV para Nuno da Cunha de Ataíde lhe pede para “armar ao inimigo” e que o mantenha ao corrente de tudo o que se for passando.
3)      Em 20 de Abril, uma Cédula de Filipe IV que diz “conceder ao dito Sargento mor António Soares da Costa os ditos quatro mil ducados de renda cada ano, dois mil de eles perpétuos para a sua pessoa e sucessores, e os outros dois mil pelos dias de sua Vida, e que além disso se lhe entregarão todas as mercadorias que se acharem no dito Castelo. Tudo isto terá inteira execução desde logo que as minhas Armas estejam na posse da dita Praça de Salvaterra”.



4)     Em 24 de Abril, uma carta de D. Luiz Mendez de Haro, valido de Filipe IV, para o sargento mor António Soares da Costa, agradecendo-lhe um serviço tão considerável e garantindo-lhe o pontual cumprimento de tudo o que lhe foi oferecido e oferecendo-lhe a sua protecção.
5)      Em 5 de Junho, uma carta do Duque de San Germán, governador das Armas da Extremadura, a António Soares da Costa, expressando-lhe estima e agradecimento e, também ele, assegurando que correriam por sua conta todas as conveniências e que tudo se cumpriria com pontualidade. Pedia-lhe ele, ainda, que o negócio se executasse com brevidade e se mantivesse ... secreto!
6)      Em 14 de Junho, carta de Nuno da Cunha Ataíde para D. João IV, dando conta de que o duque de San Germán pensa valer-se das forças de baijos (cavalaria?) para, depois de ganha a praça, se meter nela e a defender com todo o empenho. Para tal, viria dormir a Valência de Alcântara, na noite anterior à operação.Diz desconhecer o dia dessa operação, dá conta dos poucos efectivos de que dispõe e que pedirá socorro a André de Albuquerque e João de Mello, ao mesmo tempo que pede brevidade numa resposta e instrucções para o que há-de fazer.
7)      Em 19 de Junho, carta de D. João IV para Nuno da Cunha Ataíde, ordenando-lhe que não vá por diante com o intento de armar ao inimigo na praça de Salvaterra do Extremo mas que publicite o intento do inimigo, para que este desista dele.
8)      Em 27 de Junho, carta de Nuno da Cunha Ataíde para D. João IV, onde acusa a recepção da carta de dia 19 e lhe diz não entender muito bem as ordens recebidas, pois não lhe diz o que fazer a D. Alonso portador de tão infame proposta. Diz ainda que tem a praça bem municiada e que o inimigo, se não levar um castigo exemplar, tentará por outra via obter o que quer. Assim, propôs “que o sargento mor António Soares recolhesse os 30 homens, e os fosse degolando à medida que entrassem, e depois fingindo que  lançava a gente fora se ficasse com ela na praça e fizessem o sinal e, chegando o inimigo com a gente à garupa, lhe desse carga com a mosquetaria, e artilharia”! Com esta carta, envia também, “as cópias das cartas de dom Luis de Aro e do duque de São Germão que escreveram ao sargento mor António Soares da Costa com a Cédula delRei de Castela em que lhe prometia quatro mil cruzados de Renda”.
9)      Em 5 de Julho, carta de D. João IV para Nuno da Cunha Ataíde, que só chegou às mãos deste no dia 10 e em que lhe ordena que prossiga o que inicialmente (por carta de 13 de Abril) estava previsto, ou seja, armar ao inimigo!
10)  Em 21 de Julho, carta de António Soares da Costa para Nuno da Cunha Ataíde, informando do sucesso que desejavam e que foi “degolhar-lhe trinta e sete homens que em hábito de mercadores meteu neste Castelo hoje 21 de Julho de 655 para efeito de lho eu entregar na forma que V. S.ª tem dado conta a S.mg.de que Deus guarde : e não lhe degolamos a gente que traziam para socorrer estes 37, por que assim como anteciparam o dia da facção mudaram o sinal com que haviam de arrimar ao Castelo, e puseram nele tantas circunstâncias de cautela que lho não pude eu desmentir por mais bem feitas que se lhe fizeram as diligências; sendo a primeira alcançar todo o desígnio do inimigo, de Dom Alonso de Sande, que era a pessoa por quem ElRey de Castela me mandou propor este negócio, e vinha por cabo dos que morreram; e deixá-lo vivo até que o inimigo deu mostras de que conhecia o dano que se lhe tinha feito.” Informa ainda que :O duque de San Germán chega hoje à Sarça com 400 Cavalos e alguma Infantaria. Quando queira despicar-se espero em Deus que lhe havemos de dar muito mais que sentir, e com esta confiança esperamos todos muito alegres”. E como última nota, acrescenta :Se o inimigo puzer sítio a esta praça não se apresse V.sª com socorro para que lhe não falte a segurança; que eu tenho muitos mantimentos para a gente com que me acho, e assim pode V.s.ª estar muito descansado da defesa.”
11)  Em 22 de Julho, carta de Nuno da Cunha Ataíde para D. João IV,  dizendo ter recebido aviso de António Soares da Costa assim como o relato do soldado que lho tinha entregue. Tudo o mais seria relatado a D. João IV por Garcia Velez de Castelbranco, portador desta carta e do aviso de  António Soares da Costa, informando do sucesso da empresa.
12)  Em 25 de Julho, carta de D. João IV para Nuno da Cunha Ataíde, em que El Rei, acusa a recepção da carta de dia 22, apressando-se a responder-lhe, elogiando tudo o que foi feito e ficando a aguardar mais notícias do que for sucedendo.
13)  Em 25 de Julho, carta de Nuno da Cunha Ataíde para D. João IV, fazendo um relato mais pormenorizado e informando que o Duque de San Germán se retirou para Zarza e daí para Alcântara, onde está agora.
14)  Em 1 de Agosto, carta de Nuno da Cunha Ataíde para D. João IV, informando, entre outras coisas, que em Salvaterra tudo está bem e que o Duque de San Germán se recolheu ontem para Badajoz com grande sentimento da gente que perdeu em Salvaterra.

(continua)

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