Depois de ler o relato da minha amiga Cristina do blogue http://brisadoaltodaserra. blogspot.com , resolvi escrever algo sobre o “contrabando” e a agora tão falada “rota do contrabando”, tornada atracção turística.
O facto é que o contrabando é uma prática quase tão velha como o mundo. Desde que se formaram os estados, houve que criar impostos ou taxas, como lhe queiram chamar e sempre houve quem quisesse fugir aos mesmos. Uns sabiam como, outros julgavam saber e alguns outros nunca o souberam. Assim sendo, no caso da raia portuguesa, o contrabando, na grande maioria dos casos era um caso de subsistência. Não dava para enriquecer, pelo menos para aqueles que davam o corpo e, algumas vezes a vida. Se ricos havia, eram os mandantes, mas desses a história raramente fala e, quando fala, não diz a verdade toda.
Não poucas vezes também a própria autoridade (guarda fiscal) agia, não digo em conluio mas com alguma complacência, permitindo que os mais necessitados contrabandeassem sem serem importunados. No fundo, os guardas eram também povo e muitos deles com afinidades várias.
Porém, isso não impedia que a necessidade e a visão de dinheiro que parecia fácil, obrigasse a que muitas vezes alguém pusesse a vida em perigo.
Eu próprio, nasci numa noite em que meu pai, convidado pelo ti António Chavelhão, tinha ido passar uma “carga”, talvez de café. Pela manhã, ao chegar a casa, ele que tinha passado a “carga”, tinha mais um “encargo”. Mas, como sempre, lá foi porta fora levar o rebanho a pastar que, o Alexandre Romão não podia esperar.
Das peripécias de muitas dessas passagens de contrabando, muita gente fala hoje num misto de nostalgia e de anedota. Ora o caso é que algumas cenas, caricatas, só o são depois de terem passado. Quanto susto elas originaram!
A minha avó, viúva e com quatro crianças, passava sardinhas, depois de lavadinhas e postas em sal, já com alguns dias. Em tempos de guerra, em Espanha eram um pitéu!
Faziam-se saias, rodadas e com muitos bolsos interiores, para levar ovos. Se acontecia algum escorregão no caminho, é que era bonito…
Mas, isto era o contrabando das mulheres, normalmente feito durante o dia. Sabiam quem estava de guarda, muitas das vezes, e afoitavam-se. Entre outras coisas, lá vinham peças de fazenda que enrolavam no corpo, vestiam casacos de inverno, em pleno verão, levavam umas alpargatas velhas e traziam umas novas, “Ceregumil” era um fortificante que veio até aos nossos dias e pão era também tolerado.
Os homens, contrabandeavam de noite, sós ou em grupo. E será bom de imaginar, noite escura, mesmo que de luar, por caminhos, atalhos, ou por meio do mato, saber onde pôr os pés sem ser notado, coração a bater, principalmente se pressentiam algum ruído que podia ser até de animal. E, se alguém supunha ser a guarda, o sussurro: “Eh, rapazes, fugir que vem aí a guarda!” provocava a debandada e era cada um por si, tentando esconder a carga para a ir procurar no dia seguinte ou simplesmente largá-la e maldizer a hora em que se meteu naqueles trabalhos. Se a operação, até aqui, era bem sucedida, ainda podia haver o caso do cliente, do lado espanhol, receber o produto e não retribuir o pagamento e, se o Erges corria alto, lá se ia o lucro “por água abaixo”. Alguns, mais afoitos, entravam em Espanha e sujeitavam-se à lei dos “carabineros”, sendo presos ou mesmo não escapando com vida. Isto para não dizer que também a ribeira, por vezes, era madrasta e algum lá ficava. O Erges que, nas suas águas revoltas, entre “cantchais”, levou com ele, mãos crispadas procurando agarrar-se à vida e lançando gritos de aflição, as três infortunadas filhas da Dona, uma espanhola da Zarza.
Os pontos de passagem mais comuns eram o “Vale (ou Vau) de Idanha”, os “Plomes”, o “Salto da Cabra” e o “Moinho do Seco”. Onde a passagem era mais fácil, era maior a exposição à vigilância da fronteira, onde havia menos exposição era mais difícil e perigosa, como é natural.
(continua)
Lembro-me bem da existência do contrabando nas nossas terras .Ainda tenho 2 toalhas de mesa que , como era costume , a minha mãe comprou para o meu enxoval!!!Também o Ceregumil era habitual lá em casa ,para não falar da "bombazina " para fazer calças de homem , da colónia de nome Tabu e de muitas outras coisas .Ouvi muitas estórias contadas de viva voz aos pelos que arriscavam tais "travalhos "...
ResponderEliminarEstive a folhear o livro que mostra , aqui há uns tempos . Já o leu ? Se sim que me diz ?
Muntas vesitas
Quina
Olá, Quina!
ResponderEliminarEu, só me lembro do contrabando, porque toda a vida ouvi falar dele. Quando, após a Feira Espanhola, recebiamos uma cestinha "lá da terra". Entre queijinhos, chouriços e afins, lá vinham uns "recuerdos": leques, castanholas, uma navalhinha, chocolate de "almendras", ou um sucedâneo e algo mais, mas o "terrun" não podia faltar!
As "estórias" de viva voz também, ouvia-as à minha avó e a meus pais, principalmente.
Tempos difíceis, em que parecia ninguém andar "à rasca"!
Realmente o livro não o li nem o conhecia, retirei da internet a imagem.
Abraço,
João Celorico
Olá amigo João,
ResponderEliminarEntão é aqui que estão os "plomes", lol, no último parágrafo.Nunca mais me esquecerei como se escreve.
Lembro-me muito bem das saias de minha avó, também com bolsos no seu interior. Vestia a saia e depois os saiotes. Era tanta a roupa, que chegava a casa, depois daquela longa e extenuante caminhada, sempre com o corpo a escorrer água. Não sei como ela aguentava, para além da caminhada, o calor imenso. Até sei: era a necessidade!
Lembro-me de quando o meu pai comprou o carro, a “joaninha” como lhe chamava: um carocha da Volkswagen. Quando passávamos a fronteira o carro era revistado pela Guarda fronteiriça e pedidos os documentos de todos os ocupantes. Só mais tarde já deixavam passar sem revistar o carro, mas ainda tendo de mostrar os documentos. Também ganhei algumas bonecas, durante essas aventuras, lol…
Ainda cheguei a ir a pé, uma ou duas vezes, com minha avó e minha mãe, até à Zarza, a terra onde tudo era mais barato, assim me diziam…
Hoje são eles que vêm a Portugal fazer compras.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…”, já Camões o dizia…
Um abraço!