Por sobre o casario, o reservatório para abastecimento de água à povoação. Construído já nos anos 70 do séc. XX. |
A vida quotidiana em Salvaterra do Extremo, em meados do século XX
Sobre a vida em Salvaterra do Extremo, socorremo-nos do Livro do Posto de
Despiolhagem e Desinfecção, de Penha Garcia, Monfortinho, Salvaterra do Extremo
e São Miguel de Acha que se encontra no Arquivo da Misericórdia de Idanha-a-Nova.
Não é completamente verdadeira a ideia de que as famílias eram muito
numerosas, mas eram efectivamente uma parte muito significativa. Talvez só um
pouco mais de 20% tinha quatro ou mais filhos.
Rara era a família a quem não morria um ou mais filhos, devido a más
colheitas, aos calores ou epidemias. Havia mulheres que nem despiam o luto,
fosse por familiar, vizinho ou amigo. Falta de médicos e medicamentos, pouca
higiene e má alimentação estavam na origem de doenças como a varíola (bexigas
doidas), sarna (tinha), sezões (maleitas), tifo ou doenças de pele que muitas
das vezes conduziam à morte.
Portanto à alta natalidade corresponde uma alta mortalidade, sendo esta
maior na infância, onde o sarampo e a desidratação matam com frequência.
No que respeita ao vestuário, este era pouco e, de ordinário, resumia-se a
saiote, saia, corpete, blusa, camisa e o lenço, dobrado em três e atado pelo
cimo da cabeça, ao queixo ou de outro modo, no caso das mulheres. Os homens
vestiam, calças, casaco, camisa, ceroulas, colete e chapéu. As crianças usavam
um macaco de perna curta e sem mangas, com abertura atrás e à frente para que
as necessidades fisiológicas fossem feitas sem problemas e com menos trabalho
para as mães. Isto quando não andavam nuas ou, como se dizia, “encouras” ( de em couro ).
O lenço era a peça que mais se identificava com a pessoa que o usava. Onde
quer que estivesse, era sempre usado pela mulher. Na rua, no trabalho, na festa
ou em casa. O modo como era atado e colocado, assim como o desenho e a cor, variava
conforme a mulher era casada, solteira, viúva, tímida ou brincalhona.
O xaile é peça usada pela mulher que já é mãe, é quente para o filhinho e
pela sua resistência passa de geração em geração. Da avó para a mãe e, muitas
vezes, desta para filha. É negro e, na viúva, tapa o frio e a tristeza.
Quanto ao calçado, normalmente só quando chegavam à idade adulta e já
pareceria mal andar descalço, e se havia alguns “cobres”, o sapateiro lhes
fazia uns pesados sapatos, botas ou tamancos a partir de moldes que possuía.
A habitação, na maioria, não excede os 30 m2 e os 4 metros de altura. No
máximo 4 compartimentos e as paredes, por vezes, em taipa e normalmente uma
janela, havendo casos de nenhuma e também não muitos com duas. Normalmente
também é só de um piso e uma só porta para o exterior. O 1º andar, se o havia,
era assoalhado e o piso térreo em lajes, bosteada nas uniões das mesmas. Para
bostear diluía-se a bosta de vaca (“bosta santa”) em água e vassourava-se o
chão, ficando este brilhante como o ouro e com um bom cheiro a lavado! Na
Páscoa era época de limpeza geral da casa, do corpo, da alma e da aldeia, por
isso havia que preparar a casa para receber a visita do padre para dar as “Boas
Festas”.
A regra é as casas só terem uma cama que é a do casal. Por vezes há outra
para os filhos e filhas, enquanto pequenitos, se arrumarem uns para cima outros
para baixo, qual sardinha em lata. Quando maiorzitos, os filhos vão para o
palheiro onde, depois de despidos se metem nus no meio da palha que os aquece e
enxuga. Não muito longe de Salvaterra do Extremo, em Penha Garcia, a média por
cama era de 9 pessoas!
Algumas casas, têm quintal e, ou, estrumeira, grande parte tem palheiro e
animais em casa. Porcos, vacas e burros são igualmente vulgares. (Em Salvaterra, os porcos estavam, dum modo geral, em furdas, fora da zona habitacional. É conhecido o complexo de furdas desta terra!)
Uma furda! |
Os despejos, fezes, urina e águas sujas, eram lançados na rua, tal como o
lixo. Só as chuvas de Inverno lavavam tudo.
A alimentação era má, essencialmente vegetal e pão, de trigo ou centeio,
conforme as posses e a abundância. Em época de crise até pão de farelo se
comia. O pão é o “pãozinho de Deus” e ninguém concebe colocá-lo de costas no
cesto ou não o beijar quando se apanha do chão onde caiu.
A maioria da população come caldo, uma sopa de vegetais temperada com sal e
um pedaço de toucinho ou farinheira. O tempero com azeite era escasso.
De manhã (almoço), um caldo, à noite (ceia), um caldo, com um pedaço de
toucinho, farinheira, um terço de sardinha, ou nada. Quando se ia trabalhar
levava-se a merenda, pão, azeitonas ou azeitonas e pão com toucinho ou enchido,
davam para jantar e merenda. Rancho melhorado, só nos domingos, festas ou dias
santos e era se a bolsa permitia! Nesses dias podia haver, carne do talho ou da
salgadeira, normalmente de porco. Mesmo o que se criava, muitas das vezes não
se comia. Era para vender! Um almoço, no domingo, podia ter sopa de feijão
catarino, seguido do mesmo feijão, cozido e regado com um fio de azeite. Vinho,
quase só na taberna! Directamente da natureza vinham, alguns cogumelos (os
tortulhos), as amoras, bolotas de azinheira e os figos de pita (figos chumbos),
tudo para ajudar a completar a parca alimentação. Carne de caça só para quem
tinha posses ou arma. Peixe, só do rio, bogas, bordalos, barbos, enguias,
cumbas ou trutas, mas pouco. À sardinha e ao bacalhau só alguns chegavam!
A população é, dum modo geral, jovem. Em 1944, a grande maioria está entre
os 20 e os 64 anos. Também muito mais de metade trabalha na agricultura
(jornaleiros)
Tudo o que ficou dito, só prova a espantosa capacidade de gestão da riqueza
(se a isto se pode chamar riqueza), do espaço e do tempo, que tinham as pessoas
desta época!
Bibliografia:
Maria João Guardado Moreira, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 7, Nov.1993
Bibliografia:
Maria João Guardado Moreira, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 7, Nov.1993
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