Este blogue foi criado após insistência de muitas pessoas, amigas (assim as considero). Porém não vou utilizá-lo só para a promoção da minha terra, Salvaterra do Extremo, vila de 780 anos, situada (para que conste) no concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, na província da Beira Baixa. Vou igualmente tentar diversificar os assuntos e trazer aqui alguns que são do meu interesse e espero que sejam do interesse de mais alguém. Mais um leitor que seja, já valeu a pena!
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
O Ciclone de 15 de Fevereiro
Estupefactos perante as calamidades que vão acontecendo por este nosso mundo, vamos esquecendo aquelas que nos têm atingido. E não falo das calamidades políticas, falo das naturais!
Há cerca de 2 anos, resolvi indagar, por conta própria, o que se encontrava escrito acerca do "Ciclone". Após algum esforço, consegui alguma coisa que julgo de interesse, ainda que houvesse muita informação baralhada. Hoje, constato que já há bastante mais informação, graças, principalmente, à santa internet.
Aqui deixo o resultado da minha pesquisa que, espero, seja de utilidade para mais alguém.
Hoje, dia 15 de Fevereiro (Sábado Magro), entre o meio-dia e a uma da tarde, o país está sob o terrível efeito dum ciclone, com rajadas de vento de velocidade da ordem dos 200 Km/hora. A pressão atmosférica desceu aos 952,1 milibares (1013 milibares é o valor normal) e a tempestade foi inevitável! A destruição foi imensa, a luz eléctrica apagou-se, o país ficou sem comunicações, casas completamente destelhadas, principalmente chapas de zinco, foram arrancadas e voaram qual folhas de papel, milhares de árvores derrubadas e, estima-se, mais de 200 pessoas mortas. Uma catástrofe!
No Porto, o comboio ficou parado em cima da ponte D. Maria.
No Jardim João Chagas (Cordoaria), só uma árvore ficou de pé, a chamada Árvore da Forca, um velho ulmeiro. Resistirá até 1986!
Em Lisboa, o comboio da linha de Cascais teve que parar, entre Caxias e Paço de Arcos e aguardar que a tempestade acalmasse para poder prosseguir viagem pois o mar, enfurecido, galgava a linha do comboio.
Um hidroavião Clipper, afundou-se na doca de Cabo Ruivo.
A nau “Portugal”, virou-se.
A figura da proa do Padrão dos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, ainda em estafe, decerto para a Exposição do Mundo Português, caiu ao Tejo e perdeu-se.
A cerimónia de lançamento da quilha do petroleiro para a Marinha, o “S. Brás”, foi adiada.
Dos arquivos da Companhia União Fabril (CUF) muita documentação, porventura muito importante para escrever a história da industrialização em Portugal, fica destruída ou desaparece.
Mais de cem típicas fragatas do Tejo, afundaram-se.
O bairro económico Dr. Oliveira Salazar (mais tarde chamado de Bairro do Alvito), construído pela Caixa de Socorros e Reformas dos Operários e Assalariados da Câmara Municipal de Lisboa, destinado a alojar 152 famílias de operários e assalariados, começado em 1933, está já concluído desde 1938. Curioso e estranho, por incrível que pareça, o Estado Novo ainda não arranjou tempo, nem disposição, para o entregar a quem dele necessita. Continua por habitar! O ciclone aproveitou este deixa andar e a degradação que nele se instalou e, para ajudar, arrancou algumas portas e janelas das casas. Em 1942 ainda se andará a discutir o porquê desta estranha situação, sem fim à vista, prevendo já um gasto de cerca de 1.000 contos, nas obras de reparação!
O posto náutico do Sport Algés e Dafundo foi destruído.
O barracão, sede do Grupo Sport Chinquilho Cruzeirense, colectividade a entrar no seu 13º ano de existência, ficou completamente destruído. O telhado voou.
O Sport Lisboa e Benfica adiou as comemorações do seu 37º aniversário.
No Colégio Militar, o edifício do ginásio foi destruído. Só irá ser reconstruído mais tarde e inaugurado no dia 28/05/1949, pelo Presidente da República, General Óscar Carmona. Na cerimónia de inauguração, o ministro das Obras Públicas, eng. Frederico Ulrich, dirá: “O Colégio Militar fica dispondo das melhores instalações de ginástica do país”.
O Forte de Nossa Senhora das Mercês de Catalazete, também conhecido como Forte Novo das Mercês, Bateria do Catalazete ou Forte do Catalazete que, agora com o Estado Novo, está a ser utilizado pelas famílias de diversos funcionários da Direcção do Serviço de Obras e Propriedades Militares, foi severamente danificado.
Em Carcavelos, na quinta da Companhia do Cabo Submarino, mais de 800 árvores que foram plantadas anos antes, para obstar à falta de carvão, foram arrancadas e destruídas. Mais tarde, com a retirada da Companhia, nessa quinta ficará o St.Julian’s School.
O Jardim Botânico sofreu danos consideráveis. Muitas árvores foram derrubadas e inúmeras plantas sofreram com a violência do vento.
No Jardim da Estrela (Jardim Guerra Junqueiro), cerca de 200 das suas mais bonitas árvores, foram derrubadas. Isto vai obrigar a que se plantem cerca de 300 árvores de sombra, escolhidas entre as variedades de maior porte.
Em Moscavide, cerca das 12h e 30 min, um miúdo de 12 anos, filho da família Melenas, originários de Maçores, (próximo de Barca de Alva), porque a sua mãe estava no hospital aguardando o nascimento de mais um filho, estava de volta do fogareiro a petróleo a cozer batatas com bacalhau, para o almoço do pai (que chegaria do trabalho) e dos dois irmãos mais pequenos. Nisto, caiu a chaminé mesmo em cima do tacho das batatas. Só teve tempo de agarrar nos irmãos e fugir escada abaixo, completamente apavorado!
No Paço de Vitorino das Donas, construção do séc. XVIII, em estilo rocócó, perto de Ponte de Lima, São derrubadas as pedras de armas do frontispício. Também o seu jardim, talvez único na região, devido ao seu conjunto escultórico e às espécies vegetais originárias de todo o mundo, foi bastante danificado.
Em Amarante, a igreja do Mosteiro de S. Gonçalo foi gravemente atingida.
Em Calvão, Chaves, a igreja paroquial, muito imponente, foi destruída. Será reconstruída ainda durante os últimos anos da década de 40.
Em Vila Real, o Mercado Fechado foi destruído por completo. Em seu lugar será edificado o enorme Palácio dos Correios, Telégrafos e Telefones.
Em Matosinhos, os Bombeiros Voluntários de Leixões tiveram imenso trabalho para acorrerem a tudo e a todos, merecendo o louvor da Câmara Municipal de Matosinhos e a atribuição de medalhas de cobre a alguns dos que mais se distinguiram.
No porto de Leixões, a doca nº 1, já construída, serviu de abrigo a alguns navios. A mesma sorte não tiveram, um vapor brasileiro e outro grego. Ancorados na bacia, fora da doca, não aguentaram o temporal e garraram.
Em Vilar, Aveiro, os Mónicas viam um dos seus moinhos de vento, um que abria e fechava como um guarda-chuva, ir pelos ares, indo parar, parte dele, à Agrinha. Como seu pai, António Mónica é, ele mesmo, afamado construtor de moinhos de vento.
A Igreja Matriz, de origem românica, dedicada a Santa Maria, em Longroiva, Meda, Guarda, teve grandes prejuízos que obrigarão a restauro.
Em Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo, Guarda, ruíram as paredes do Templo romano, construído no séc. II, também conhecido por Torre das Águias, Torre dos Frades ou Torre de Aguiar.
Em Mirzela, Almeida, Guarda, caiu o cabanal, ruíram paredes e voou parte do telhado da casa da família Peixoto.
Em Coimbra, diz-se que o ciclone foi de tal intensidade (registou ventos máximos na ordem dos 135 Km/hora), que produziu, em poucas horas, estragos com particular incidência na região centro do país, ficando cortadas todas as comunicações com o exterior. A pedido da Administração dos C.T.T., o Laboratório de Física da Universidade cedeu o emissor universitário a fim de se poderem manter as comunicações oficiais. De notar que a Emissora Nacional proibia o funcionamento a todos os emissores radioamadores, desde 21 de Setembro de 1939, no início da 2ª Guerra Mundial. Este, contudo, mantinha-se operacional. Apesar de tudo, também outras estações radioamadoras se envolveram na ajuda necessária.
Em Castelo Branco, o Antigo Recolhimento de Santa Maria Madalena, na Rua dos Cavaleiros, edifício do século XVIII, ficou arruinado. O custo das futuras obras orçará em 1.267$50! Uma fortuna!
Em Arganil, o Cine-Teatro Arganilense, que tinha sido construído em 1922, modesta construção com a fachada em alvenaria, os lados e fundos de madeira com cobertura de zinco, desapareceu com a violência do ciclone.
Em Constância, parte da arcaria do 2º piso da Casa dos Arcos/Casa de Camões foi destruída.
Em São Miguel do Rio Torto, Abrantes, também o ciclone fez bastantes estragos.
Ao largo de Peniche, o motorista Samuel Corujo, de 19 anos de idade, é um dos sobreviventes do naufrágio do “Patriotismo”. A partir de 1982, na reforma, usando de muita paciência e perícia, irá passar o seu tempo fazendo modelos de barcos e metendo-os dentro de garrafas.
Na Marinha Grande, centenas de árvores foram derrubadas.
Na Companhia das Lezírias, à excepção das Portas da Ponta da Erva, estão destruídos todos os valados e diques que por ordem dos accionistas haviam sido denodadamente reconstruídos. No relatório da direcção, parafraseando a obra da americana Margaret Mitchell, tão em voga, escreveu-se “E tudo o vento e a água levaram”.
Na aldeia de Caneiras, freguesia de Marvila, na margem direita do Tejo, perto de Vila Franca de Xira, José Pelarigo, de cerca de 19 anos de idade, sempre ali vividos, viu a sua barraca, assente sobre estacas e que o ciclone do dia 15 não tinha destruído, ir levada pelas cheias do Tejo no dia 20, pelas cinco horas da manhã, estando em casa 16 pessoas. Só tiveram tempo de fugir para o meio de uma vinha onde, em cima de um monte de vides, ficaram até ao nascer do dia.
Em Alhandra, a passagem devastadora do ciclone fez desaparecer parte da vila e dos seus mouchões, havendo largas dezenas de vítimas mortais e feridos graves. Soeiro Pereira Gomes, o escritor que editará em Novembro o livro “Esteiros”, com ilustrações de Álvaro Cunhal, tripulando uma frágil barca do Tejo, com mais três trabalhadores, foi um dos que se empenharam intensamente nas operações de salvamento conseguindo salvar, do Mouchão de Alhandra, mais de vinte trabalhadores.
Quase a fazer 20 anos, e seguindo este exemplo, também Joaquim Batista Pereira, menino da borda d’água, mais tarde uma lenda da natação portuguesa, fez vários salvamentos, a nado.
No Bombarral, a Mata sofreu enormes prejuízos. Foram reunidas 250 toneladas de madeira de aderno, medronheiro e carrasqueiro, entre outros.
Mais tarde irá verificar-se que o ciclone foi um importante contributo para a desflorestação do país. A destruição vê-se, de Norte a Sul!
O Teatro Eduardo Brazão, inaugurado em 1921, sofreu prejuízos tais que lhe valeram um subsídio do governo. Pelos tempos fora irão ser feitas algumas obras que lhe irão desvirtuando a traça original. Depois de profundas obras de Recuperação e Restauro, será reinaugurado no dia 29 de Junho de 2004.
Em Sintra, os serviços florestais iriam ter um intenso trabalho para fazer a substituição de muitas das árvores derrubadas. À volta do picadeiro, as magníficas sequóias vindas da América do Norte foram todas derrubadas. Foram poupadas as magnólias.
Em Setúbal, no Sado, amarou de emergência um “Short Sunderland”, grande hidroavião quadrimotor inglês, com um motor inoperativo. A parte baixa da cidade ficou completamente alagada.
Em Alcochete, os estragos obrigam a Câmara a pagar a limpeza da Escola Conde de Ferreira (no Rossio), pelo que foi decidido afixar editais anunciando a venda das árvores derrubadas. Os danos na vila, tanto públicos como privados, são avultados e houve barcos ancorados que, entrando pela vila adentro, foram arrastados até ao Largo de S. João. Também no Rossio, muitas casas foram inundadas.
No Torrão, Alcácer do Sal, o ciclone também deixou a sua marca.
Artur Domingos Garcia, alentejano de Gáfete, Crato, 40 anos de idade, vive em Benavila. Poeta humilde como ele próprio se define, relembrando o ciclone, escreve dirigindo-se a sua filha, no seu “Dicionário de uma Família Pobre de Pai para Filhos”: “Este ano… foi um ano terrível para os que se encontravam vivos; mas não nos bastava uma Guerra Europeia prestes a ser mundial se não agora mais uma guerra natural”.
Alvalade, no Alentejo, foi violentamente fustigada. Muitas habitações e edifícios públicos da vila foram danificados.
Em Montemor-o-Novo, a sede da Sociedade Antiga Filarmónica Montemorense “Carlista”, ficou em ruínas.
A 13 Km de Évora, a igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, igreja matriz, grandemente danificada, foi alvo de profanação.
Em Santa Vitória, (Barragem do Roxo), Beja, a Igreja Matriz, fundada em 1284 e reconstruída várias vezes ao longo dos tempos, sofreu avultados danos e só em Maio de 1960 irá ser reconstruída, graças à senhora Maria Vitória Almodôvar de Paiva Raposo, devota a Nossa Senhora Santa Vitória.
No Algarve os amendoeirais sofreram um rude golpe.
Em Tavira, o Arraial da Armação do Medo das Cascas que começava a sofrer os efeitos da má orientação da barra artificial, desde 1931, acabou de ser destruído.
O governo, porém, estaria atento e, para combater a desgraça, logo no dia 20 de Fevereiro faz sair o Dec. Lei nº 31.147, o qual abre “um crédito de 20.000 contos para despesas provenientes da reparação de estragos e prejuízos causados pelo ciclone de Fevereiro de 1941, incluindo a intensificação de obras públicas para atenuação da crise de trabalho.”
Em plena época de Carnaval (25 de Fevereiro). Salazar mandou proibir todos os festejos. A hora é de trabalhar e não de festejar. Além da desgraça que se abateu sobre o nosso país, chegam também os ecos da guerra que lá fora se desenrola e com eles as privações de toda a ordem. Mesmo assim, o Carnaval de Loulé (que desde 1902 era chamado de “Carnaval civilizado”), atendendo a que estava muito arreigado na população e a que a sua receita se destinava a fins beneméritos, foi autorizado.
Foi isto no dia 15 de Fevereiro, mas de 1941!!!!
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Crianças de dez anos na época hoje contam 79. É bem provável termos testemunhos deles também, para completar o que ficou registrado. Interessante realmente notar-se a semelhança do hoje com o ontem...
ResponderEliminarMuito bom, se apenas um leitor bastava, seu objetivo já está conquistado.
Legal!Agora são dois! Muito interessante!
ResponderEliminarHá algo nessa época no que respeita às prioridades e à ajuda ao próximo que é enternecedor
ResponderEliminarCaro Sr. João, gostei desta exaustiva descrição dos estragos, que poderiam ser muito aumentados, mas não se pode referir tudo. Lembro-me muito bem do que os meus pais e conterrâneos diziam sobre os efeitos desse ciclone de Fev1941. Bom trabalho e bom blogue. Força! Cumprimentos. José
ResponderEliminarObrigado pela partilha desta informação. Para mim foi precioso encontrá-la depois de indagar e pesquisar sobre o assunto. Sou escritora nas horas vagas e queria incluir esta catástrofe no enredo com alguns pormenores mais verídicos. Se não se importar vou utilizar alguns factos descritos para ilustrar o romance.
ResponderEliminarGrato pela sua vista e ainda grato por saber da utilidade dalguma coisa do que aqui escrevo. Será um prazer para mim, saber que aproveita a alguém, portanto utilize-a à vontade.
EliminarBem haja,
João Celorico
Muito importante este reavivar de casos reais que ficaram na memória dos mais velhos. Investiguei o ciclone porque minha mãe falou dele nas conversas que tínhamos do passado, obrigado pelo bom trabalho
ResponderEliminarFeliz porque esta descrição tenha interesse para mais alguém. Era esse o objectivo quando me propus fazer este trabalho que não foi tão fácil como nos dias de hoje, onde já se consegue obter informação com mais facilidade. Também não vivi a época mas vi a luz do dia poucos dias depois. Daí o meu especial interesse. Bem haja pela visita e pelo comentário.
ResponderEliminarJoão Celorico