sábado, 24 de março de 2012

O "Angola", vai de viagem... virtual! ( 9 ) ... Funchal - São Tomé , (cont.)

Dias 19 e 20
Algumas horas após a saída de Tenerife tive cólicas intestinais devido a uma intoxicação alimentar. O médico receitou-me uns comprimidos, poucos porque a intoxicação era generalizada e era devida a uns bifes de atum, à Portimão, que tinham sido servidos no jantar do dia anterior. Como os comprimidos foram racionados, ainda tive que me valer de uns que eu trouxe, suponho que “Enteroviofórmio” e lá melhorei.
Vale a pena contar a história do médico desta viagem. O senhor, boa pessoa, homem entre os 55 e 60 anos de idade, é casado com uma médica que trabalhava no Instituto de Medicina Tropical, em Lisboa. Devido à guerra colonial, todos os médicos são poucos e há que cumprir serviço nos hospitais, no ultramar. Como a senhora é amiga duma filha do Ministro do Ultramar, conseguiu ir-se livrando de ser mobilizada mas o ministro mudou e a sorte dela também. Foi mobilizada e avisada de que, se não fosse, o melhor era escolher outra vida porque clínica, em Portugal, não ia exercer mais. Era “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”, e estava tudo dito! A senhora lá aceitou e foi para Moçambique. O marido ia ficar sem a mulher durante dois anos, pelo menos, e tratou de arranjar uma maneira de minimizar os prejuízos. Soube que havia uma vaga no “Angola”, porque o médico ia ficar de férias e aí foi ele oferecer-se para, mesmo em trabalho, aproveitar para passar uns dias com a mulher. Farda não tinha e esta, além de cara, também não se arranjava uma do pé para a mão. Ainda por cima era só para uma viagem. Porém, tudo se compôs, o 1º Telegrafista tinha um físico idêntico, a farda era mesmo a calhar e aí foi ele vestindo a farda do outro. Só precisava de mudar os galões!

A viagem vai decorrendo e vamo-nos aproximando do Cabo Branco. A noite já cai e lá ao longe, mar largo, já podemos vislumbrar uma miríade de luzinhas. É um “enxame” de pesqueiros, na sua faina. Também, aqui e ali, já vamos vendo cardumes (diria quase “bandos”) em revoada, os peixes-voadores, e alguns, como que atraídos pelas luzes do navio, vão embatendo neste.
Peixes-voadores
(retirado de www.pipocadebits.com)
Golfinhos
(retirado de www.imagemar.com)
Os golfinhos, no dia seguinte, não querendo ficar atrás, vão dando o seu “espectáculo”, ora acompanhando o navio, ora atravessando-se em cardume alinhado e quais cavalos de corrida vão “galopando” nas águas.

Lá ao longe, vemos um repuxo intermitente. É baleia, decerto! E é com estas observações que se vai passando o tempo enquanto a temperatura do ar vai subindo e também a humidade nos vai tapando os poros, tornando-nos a respiração mais difícil. Estaremos, então, nas imediações de Dacar.
Vindo do lado de estibordo, começamos a divisar a silhueta dum navio que a pouco e pouco se foi aproximando. Era o “White River”, navio mineraleiro, com bandeira liberiana. Devia vir em piloto automático porque vinha direitos a nós e foi necessário muitos apitos e dar uma guinada de bordo para que não colidíssemos. Entretanto, na ponte, lá apareceu alguém da tripulação que parecia muito divertido com a situação.
Navio "Rovuma" (retirado de www.navios.no.sapo.pt)
Em sentido contrário, rumo a Lisboa, passou por nós o “Rovuma”, cargueiro, também da CNN. Houve a tradicional troca de apitos, entre “familiares”!
E como o tráfego parecia intenso, a nosso lado também seguiu, durante algum tempo, o “Luabala”, cargueiro belga.

A temperatura da água do mar, que em Lisboa era de 17ºC, à medida que os dias iam passando foi subindo e no dia 21 subiu de 22ºC para 29ºC, chegando aos 30ºC nos dias seguintes. Escusado será dizer que a piscina foi posta à disposição dos passageiros, a partir do dia 21. Na Casa das Máquinas a temperatura ambiente ainda só chegou aos 37ºC!
Pela parte que me toca e como, entre outras tarefas, tenho a incumbência de mudar a água da piscina, trato de esgotá-la e enchê-la de modo a que às 04.00h, quando sair de quarto, esteja em condições para que eu possa usufruir dum mergulho no “caldo”. Ajuda a descontrair mas, depois de um duche de água doce que me deixa completamente sem sono, só lá para as 07.00h conseguirei “pregar olho”. Às 11.00h já terei de acordar para ir almoçar, mesmo sem apetite!

Dia 23 :
Às 00.00h, os relógios de bordo foram adiantados 60 minutos.
"Beira"

Entretanto, hoje o “Beira”, cargueiro da CNN, foi-nos seguindo dia e noite e só amanhã, cerca do meio-dia, fará rumo e sairá da nossa vista. Esta proximidade foi aproveitada para nos fazer pregar os olhos no horizonte e para os comandantes irem trocando mensagens, via rádio. O “Beira”, é o cargueiro mais moderno da CNN e bem mais rápido que o “Angola”. A última palavra em matéria de design e velocidade.

Dia 24 :
Ao longe começamos a avistar a ilha do Princípe, e às 21h11min fazemos a aproximação a São Tomé onde às 21.58h. o navio fica fundeado, ao largo e ainda um pouco distante de terra.
E, assim, se passaram 7 dias quase só a ver água à nossa volta!
São Tomé.
Muito ao longe, em contra luz e a máquina não dava para mais

São Tomé. Ao fundo, a baía de Ana Chaves. (Acreditem!)
Foto muito pobrezinha.

















"Andulo" (retirado de www.navios.no.sapo.pt)

Fundeado, já lá estava o “Andulo”, cargueiro da Sociedade Geral.

Como o navio fica fundeado, não há grandes hipóteses de ir a terra devido à distância até lá e porque a lancha que faz esse trajecto não é assim tão rápida. O melhor é ficar a ver, de longe, e a observar a azáfama do pessoal nas barcaças procedendo à carga e descarga.
Entre os passageiros, poucos, que aqui vão ficar, lá está a Madame Castela, senhora de idade avançada, dona de roça e passageira frequente do "Angola"!
Portanto, aguardemos toda essa faina terminada e amanhã o navio recolherá amarras e rumará a Luanda.

Sem comentários:

Enviar um comentário