Na Sessão do dia 11 de Maio de 1843, na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, um deputado, um tal sr. Miranda, resolveu usar da palavra para interpelar o Ministro da Fazenda, acerca dum certo caso de contrabando em Salvaterra.
Como se pode ver da transcrição que se segue, os problemas das Cortes, Assembleias Nacionais ou da República, ou o que lhes quiserem chamar, são sempre os mesmos, só mudam os deputados!!!
Aqui vai então um excerto dessa troca de palavras:
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O Sr. Miranda : -
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O Orador : - Peço que se renove o pedido : qualquer resposta me serve, e aproveitarei a palavra para mandar o seguinte Requerimento de
Interpellação. – Requeiro que se convide o Ex.mo Ministro da Fazenda para o interpellar sobre contrabandos no Districto de Castello Branco: Sala das Sessões 11 de Maio de 1843. – O Deputado pela Estremadura, João Antonio Rodrigues de Miranda.
Sr. Presidente, é necessário que a Camara saiba que se passam cousas vergonhosas, (Rumor). Não me provoquem; essas provocações são fataes. Não há Camara nenhuma que senão degrade senão consentir que se faça esta Interpellação. Tracta-se do bem da Fazenda. Sr. Presidente, em Salvaterra de Extremo, não há muito tempo, apanharam-se por contrabando 15 cargas de lã : aprehenderam-se as cavalgaduras e a lã : a lã foi mandada entregar, porque era de um homem poderoso ; e as cavalgaduras foram vendidas em hasta publica ; de maneira que parte é contrabando, parte não. O Sr. Ministro da Fazenda sabe tudo isto ; as auctoridades já não querem fazer participações a S. Ex.ª, porque as calca aos pés, e promove esses Empregados contra quem se apresentam documentos de ladroeiras vergonhosas. Eu sei de factos horrorosos...
O Sr. Presidente : - Isso parece já uma Interpellação e mui acremente desenvolvida já pelo Sr. Deputado, parecendo uma acusação ao Ministro que tem de ser interpellado, e que não está presente ( Apoiados).
O Orador : - Eu quero que a Camara saiba que o Sr. Ministro da Fazenda não vem aqui. V. Ex.ª sabe que ao Sr. Ministro da Fazenda teem-se annunciado Interpellações, e elle não vem cá há mais de mez e meio : não vem na primeira parte da Ordem do Dia : é de proposito.
O Sr. Presidente : - Devo prevenir o Sr. Deputado de que está enganado. O Sr. Ministro da Fazenda esteve aqui na Sessão d’antehontem por duas horas, inclusivamente na ultima que é a destinada para as Interpellações : e o Sr. Deputado não estava cá, consulte o Sr. Deputado o Diário de hontem ( Apoiados ).
O Orador : - Eu venho sempre antes de V. Ex.ª, que vem ás vezes fóra da hora, e eu nunca. O Sr. Ministro da Fazenda esteve aqui depois da primeira hora, quando tem logar as Interpellações.
O Sr. Presidente : - Repito ao Sr. Deputado que as Interpellações são na ultima hora, e a essa não estava presente o Sr. Deputado : quanto ao mais, a Camara toda é testemunha de que nem de uma única Sessão se tem demorado a abertura desde que sou Presidente, por eu não estar na Cadeira á hora determinada (Muitos apoiados de toda a Camara ).
O Orador : - Eu já consegui o meu fim.
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E este caso estava para durar, pois também teve intervenções na Câmara dos Pares do Reino. Havia que pôr toda a gente a trabalhar...
Afinal, isto já é um procedimento normal dos nossos deputados. Só que nessa época ainda não havia Facebook, nem Farme Ville, nem computadores.
ResponderEliminarBeijinhos
Lourdes
Pois é, Lourdes!
ResponderEliminarPara quem gosta de dizer que antigamente é que era bom, que agora já não há disso, os nossos lídimos representantes tratam de nos dizer quão grande é o seu esforço para que esta tradição se mantenha. Se não fosse triste, o Diário das Sessões (os Diários das Sessões), seria um bom livro de cabeceira. Gozam conosco, aumentam-nos IVA, IRS, reformam-se e aumentam-se quando querem e ainda passam umas belas horas em "jogos florais"! Louvemos o seu esforço!
Beijinhos,
João Celorico
João(sem o Srº)afinal em nada mudaram estas Sessões!!! e eu até acho que quem as fazia antigamente, e agora as viesse ouvir,ficariam boquiabertos;pois seriam aprendizes destes nossos governantes sem vergonha na cara.Mais umas medidas foram tomadas para nós que nos alegra bastante!!!!Enfim nem dormem a pensar no melhor que podem dar ao povo português...
ResponderEliminarContinuo lendo com muito prazer estes seus (entre outros)testemunhos.Lindos blogs se fazem por aqui,continue e bem haja por estes momentos.
Ana Bernardo
Como gosto muito de Fernando Pessoa,deixo esta citação dele
ResponderEliminarO Futuro de Portugal
O que calcula que seja o futuro da raça portuguesa?
— O Quinto Império. O futuro de Portugal — que não calculo, mas sei — está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior? Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistamos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma cousa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade.
Fernando Pessoa, in 'Portugal entre Passado e Futuro'