terça-feira, 11 de maio de 2010

11 de Maio de... 1843! Contrabando em Salvaterra!

Na Sessão do dia 11 de Maio de 1843, na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, um deputado, um tal sr. Miranda, resolveu usar da palavra para interpelar o Ministro da Fazenda, acerca dum certo caso de contrabando em Salvaterra.
Como se pode ver da transcrição que se segue, os problemas das Cortes, Assembleias Nacionais ou da República, ou o que lhes quiserem chamar, são sempre os mesmos, só mudam os deputados!!!
Aqui vai então um excerto dessa troca de palavras:

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O Sr. Miranda : -
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O Orador : - Peço que se renove o pedido : qualquer resposta me serve, e aproveitarei a palavra para mandar o seguinte Requerimento de
Interpellação. – Requeiro que se convide o Ex.mo Ministro da Fazenda para o interpellar sobre contrabandos no Districto de Castello Branco: Sala das Sessões 11 de Maio de 1843. – O Deputado pela Estremadura, João Antonio Rodrigues de Miranda.
Sr. Presidente, é necessário que a Camara saiba que se passam cousas vergonhosas, (Rumor). Não me provoquem; essas provocações são fataes. Não há Camara nenhuma que senão degrade senão consentir que se faça esta Interpellação. Tracta-se do bem da Fazenda. Sr. Presidente, em Salvaterra de Extremo, não há muito tempo, apanharam-se por contrabando 15 cargas de lã : aprehenderam-se as cavalgaduras e a lã : a lã foi mandada entregar, porque era de um homem poderoso ; e as cavalgaduras foram vendidas em hasta publica ; de maneira que parte é contrabando, parte não. O Sr. Ministro da Fazenda sabe tudo isto ; as auctoridades já não querem fazer participações a S. Ex.ª, porque as calca aos pés, e promove esses Empregados contra quem se apresentam documentos de ladroeiras vergonhosas. Eu sei de factos horrorosos...
O Sr. Presidente : - Isso parece já uma Interpellação e mui acremente desenvolvida já pelo Sr. Deputado, parecendo uma acusação ao Ministro que tem de ser interpellado, e que não está presente ( Apoiados).
O Orador : - Eu quero que a Camara saiba que o Sr. Ministro da Fazenda não vem aqui. V. Ex.ª sabe que ao Sr. Ministro da Fazenda teem-se annunciado Interpellações, e elle não vem cá há mais de mez e meio : não vem na primeira parte da Ordem do Dia : é de proposito.
O Sr. Presidente : - Devo prevenir o Sr. Deputado de que está enganado. O Sr. Ministro da Fazenda esteve aqui na Sessão d’antehontem por duas horas, inclusivamente na ultima que é a destinada para as Interpellações : e o Sr. Deputado não estava cá, consulte o Sr. Deputado o Diário de hontem ( Apoiados ).
O Orador : - Eu venho sempre antes de V. Ex.ª, que vem ás vezes fóra da hora, e eu nunca. O Sr. Ministro da Fazenda esteve aqui depois da primeira hora, quando tem logar as Interpellações.
O Sr. Presidente : - Repito ao Sr. Deputado que as Interpellações são na ultima hora, e a essa não estava presente o Sr. Deputado : quanto ao mais, a Camara toda é testemunha de que nem de uma única Sessão se tem demorado a abertura desde que sou Presidente, por eu não estar na Cadeira á hora determinada (Muitos apoiados de toda a Camara ).
O Orador : - Eu já consegui o meu fim.
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E este caso estava para durar, pois também teve intervenções na Câmara dos Pares do Reino. Havia que pôr toda a gente a trabalhar...

4 comentários:

  1. Afinal, isto já é um procedimento normal dos nossos deputados. Só que nessa época ainda não havia Facebook, nem Farme Ville, nem computadores.
    Beijinhos
    Lourdes

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  2. Pois é, Lourdes!
    Para quem gosta de dizer que antigamente é que era bom, que agora já não há disso, os nossos lídimos representantes tratam de nos dizer quão grande é o seu esforço para que esta tradição se mantenha. Se não fosse triste, o Diário das Sessões (os Diários das Sessões), seria um bom livro de cabeceira. Gozam conosco, aumentam-nos IVA, IRS, reformam-se e aumentam-se quando querem e ainda passam umas belas horas em "jogos florais"! Louvemos o seu esforço!
    Beijinhos,
    João Celorico

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  3. João(sem o Srº)afinal em nada mudaram estas Sessões!!! e eu até acho que quem as fazia antigamente, e agora as viesse ouvir,ficariam boquiabertos;pois seriam aprendizes destes nossos governantes sem vergonha na cara.Mais umas medidas foram tomadas para nós que nos alegra bastante!!!!Enfim nem dormem a pensar no melhor que podem dar ao povo português...
    Continuo lendo com muito prazer estes seus (entre outros)testemunhos.Lindos blogs se fazem por aqui,continue e bem haja por estes momentos.
    Ana Bernardo

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  4. Como gosto muito de Fernando Pessoa,deixo esta citação dele

    O Futuro de Portugal

    O que calcula que seja o futuro da raça portuguesa?
    — O Quinto Império. O futuro de Portugal — que não calculo, mas sei — está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior? Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistamos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma cousa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade.

    Fernando Pessoa, in 'Portugal entre Passado e Futuro'

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