quarta-feira, 28 de setembro de 2011

1 de Outubro de ... 1957 ! Mais um dia inesquecível !

Dia 1 de Outubro de 1957, uma terça-feira, cerca das 08.00h, ao portão do Estaleiro Naval da CUF, juntam-se umas dezenas de adolescentes. Após a sua inscrição para admissão, fizeram exames, médico e psicotécnico e agora ali estavam para iniciar nova vida, como aprendizes. Iam ser distribuídos pelos vários sectores do Estaleiro, a saber: Electricidade, Carpintaria (moldes, marcenaria), Mecânica e Caldeiraria (serralharia civil, soldadores eléctrico).Entre eles, um miúdo de 16 anos, destinava-se à Oficina de Mecânica. Tinha assinado um contrato de trabalho com o Estaleiro Naval da CUF.


Minimamente já conhecia o estaleiro pois, até então, tinha trabalhado nas oficinas da AGPL, ali mesmo ao lado.
Pois bem, com os outros, agora novos colegas, para trocar de roupa, um fato-macaco lavadinho, lá se dirigiu ao vestiário dos aprendizes, um vestiário provisório, anexo ao Armazém das Tintas, bem ao fundo do estaleiro, após a carreira de construção e junto ao portão do cais da Princesa, quase no largo de Santos. Para começar seria uma grande estopada diária, a deslocação ao vestiário e vice-versa. Seguiu então para a Oficina de Mecânica onde, numa zona da mesma, lhe estava reservada uma bancada de trabalho. Era o sector dos aprendizes onde teria um monitor. Iria ser o seu local de trabalho durante cerca de 1 ano (talvez 10 meses).
Foi-lhe atribuído um número de operário, foram-lhe distribuídas chapas para levantamento de ferramenta, além daquela que era a sua dotação e ficou a saber que teria, diariamente, 2 horas para estudar e o seu turno de estudo seria entre as 08.00h e as 10.00h, às 12.00h tinha o intervalo para almoço e o período da tarde seria das 13.00h às 17.00h, durante 6 dias por semana. Descanso só ao domingo e férias (uma semana), só a partir do dia 1 de Outubro do ano seguinte.Tudo esclarecido, havia que começar a trabalhar e a familiarizar-se não só com os novos colegas, como também com o mundo que era o estaleiro!O estaleiro, cujo portão de entrada se situava junto da passagem de nível da Rocha, era o primeiro ponto de escoamento da multidão operária que, todos os dias, entre as 7 e as 8 horas da manhã, ali desembocava. Era o primeiro ponto e talvez aquele onde a afluência era maior. Mais adiante havia outros pontos onde se iam escoando, casos da 10ª Repartição da AGPL, logo ali ao lado, das oficinas da Companhia Colonial de Navegação, da Sociedade Geral e da Companhia dos Carregadores Açoreanos, todas do lado de lá da eclusa, depois da ponte giratória.Pois bem, entrado o portão do estaleiro, do lado esquerdo encontrava-se a portaria, seguida dum corredor sob um telheiro, por onde se fazia a saída do pessoal. Entre estas instalações e a rua da Cintura ficava o edifício da Administração (Contabilidade, Telefonista, Sala de Desenho e Gabinetes da Direcção do Estaleiro) com um pequeno jardim defronte da entrada interior.No lado direito e logo à entrada, estava um pequeno casinhoto no qual um dos guardas, fazia serviço de barbeiro e pelo que seria dado ver, tinha clientela. Depois via-se um edifício, ainda em fase de construção e que diziam ser o futuro refeitório mas que, antes disso, serviu de Sala de Estudo para os aprendizes e também de Sala de Desenho.Continuando pela rua principal, do lado esquerdo, via-se um edifício de piso térreo que começava com um barracão, em madeira, para estacionamento das viaturas da Direcção, encostado ao edifício de alvenaria onde se encontravam, por ordem, o Posto Médico, o Serviço de Pessoal (atendimento do pessoal) e o Serviço de Ponto, cujas portas de entrada ficavam noutra rua, paralela a esta e a partir do tal jardim, defronte da Direcção, começava um edifício corrido, com altura suficiente para instalar dois pisos onde, para começar, se encontravam num 2º piso com acesso exterior, os Orçamentos, seguiam-se a Electricidade, a Carpintaria (Marcenaria em baixo e Moldes no 2º piso), uma parede com relógios de ponto, o portão da Mecânica para acesso de peças de maiores dimensões, num recanto outro portão e depois da parede da oficina o outro portão da Mecânica, seguido de nova parede com relógios de ponto (para a Mecânica, Caldeiraria e talvez outros). Mais ou menos desde a Carpintaria, esta passava a ser a rua principal que iria até às carreiras.Entretanto, à esquina do Serviço de Ponto enquanto a rua principal tinha flectido para a esquerda, para a direita ficava o arruamento de acesso às docas secas nº 1 e nº 2. Entre eles situava-se mais um edifício onde se encontravam instalados, a Produtividade (numa torre de 3 pisos a que chamávamos o “Pombal da Ciência”), e em baixo o que se chamaria de Mecânica “fina” (Diesel, Equilibragem e os muito procurados trabalhos de Pantógrafo), ao lado alguns degraus davam acesso ao Refeitório, junto à parede deste algumas torneiras para matar a sede do pessoal e de seguida os sanitários e a Fundição. Ainda antes de tudo isto, no topo, defronte do Serviço de Ponto, encontrava-se um sector dos Lubrificantes.Seguia-se outro edifício, entre a doca nº 2 e a rua principal. No topo, estavam os gabinetes dos chefes de Navio e o portão de acesso ao Armazém Geral. Na rua principal estava a porta de acesso do pessoal de escritório do Armazém e, um pouco mais à frente, o balcão de atendimento (mesmo defronte do último portão da Mecânica), seguiam-se a Sala do Risco (Traçagem), uma Ferramentaria (dos aparelhos de elevação) e uns sanitários. Junto à Doca nº 2, ficavam a Conservação, Transportes, o Serviço de Docas, a Preparação de Trabalhos da Caldeiraria e a outra porta da Ferramentaria dos aparelhos de elevação.Após a Mecânica, na parede dos relógios de ponto havia ainda uma escada de acesso aos escritórios da Mecânica e em seguida dava-se a entrada na nave onde estavam os Tubos, a Serralharia Civil e a Caldeiraria propriamente dita, com a Ferraria lá bem ao fundo. No largo fronteiro ao Armazém Geral, ao ar livre, havia um engenhoso artefacto (talvez já o “bate-bate”), para prover ao encurvamento dos tubos que, ao alto eram cheios com areia, batidos e só depois encurvados.A partir daqui e continuando pela rua principal, tinha à esquerda a parede da Caldeiraria, a Ferramentaria Pneumática, portas de acesso aos gabinetes da oficina e uns sanitários. Do lado direito havia a Central de Compressores, e logo a seguir a Casa Amarela, sala de estudo no piso superior e Armazém das Novas Construções, em baixo.Após um parque de ferro, à direita, chegava-se às Carreiras, passava-se por baixo, num túnel e à esquerda lá estava, num edifício recente, o vestiário dos aprendizes, paredes meias com o Armazém das Tintas. Defronte, o Cais da Princesa e um parque de chapas.Entre a doca nº 2 e as Carreiras, haviam as docas nº 3, 4 e 5.O espaço físico do estaleiro estava praticamente memorizado! Havia que continuar, agora mais aprofundadamente, a identificação com a Mecânica!A oficina de Mecânica tinha uma sala de desenho e gabinetes dos engenheiros e ATE (Agentes técnicos de engenharia) num piso elevado (a que hoje talvez se possa chamar de “mezzanine”), tendo por baixo a zona de Enchimento de Bronzes, a Preparação e a Distribuição de Trabalhos.Seguiam-se, junto à parede do exterior, os tornos mecânicos, na parte central, dum lado e doutro da zona de circulação ficavam ainda tornos, frezadoras, uma plaina, dois limadores, um escatelador vertical e duas serras de fita.Junto à parede interior, uma bancada corrida estava apetrechada de tornos de bancada para o serviço normal dos operários da oficina e para alguns que normalmente trabalhavam a bordo. No prolongamento desta bancada e junto ao portão do canto, estava uma área destinada aos soldadores destacados para a oficina da Mecânica. Ao fundo, da zona central, uma mandriladora, um torno vertical e um plano de traçagem e a seguir a estes, o sector destinado aos aprendizes e a ferramentaria.


Após a identificação do espaço físico, havia que, aos poucos, ir identificando o pessoal e, assim começou o que eu poderei chamar "O primeiro dia do resto da minha vida" porque, apesar de já trabalhar há 2 anos, este foi o primeiro emprego cuja escolha foi de minha inteira responsabilidade e que provocaria uma viragem na minha vida!

(Problemas de computador, ainda não totalmente debelados, impedem-me de colocar este "post" no próprio dia, 1 de Outubro. Do facto, as minhas desculpas.)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

18 de Setembro de ... 1949 . Um dia inesquecível !...

(Devido aos problemas do meu computador e à impossibilidade de colocar este "post" no próprio dia 18, embora não tenha o impacto mediático do passado dia 11, aproveitei uma "boleia" amiga e aqui o estou a colocar já hoje).

Este dia deve ter sido previsto uns 8 anos antes. Mais propriamente desde o ano em que nasci!
Deu-se o caso de que no ano em que nasci:
O Sporting ganhou o Campeonato de Lisboa de Futebol.
O Sporting, ganhou o Campeonato Nacional de Futebol.
O Peyroteo marcou 29 golos.
O Sporting ganhou a Taça de Portugal, em Futebol.
O Sporting ganhou o Campeonato Nacional de Atletismo, em pista.
O Sporting ganhou o Campeonato Regional de Andebol, de Onze.
Francisco Inácio e o Sporting ganharam a Volta a Portugal em bicicleta.
Francisco Inácio ganhou a corrida Porto/Lisboa.
João Lourenço foi, pela primeira vez, campeão nacional de velocidade em pista, em amadores. Iria ser campeão, consecutivamente, até 1949!

Era tudo verde! Até os Óscares foram para o filme “O Vale Era Verde”, do John Ford (mais um João, este americano)!

Com todos estes acontecimentos, eu só podia ter “encarnado” (salvo seja) num fervoroso mini adepto “verde”. E foi assim que os acasos da minha vida trouxeram até mim (sim, não fui eu procurá-los) dois dos maiores futebolistas daquela época e de sempre, o João Azevedo, um dos nossos melhores guarda-redes, senão o melhor de sempre e o Peyroteo, um dos nossos melhores avançados.
Hoje, seria como estar com o Figo ou o Cristiano Ronaldo e em minha casa, vejam lá. Tudo isto por interpostas pessoas, essas sim fervorosas adeptas e conhecedoras também da minha “devoção”. Com o primeiro, tinha eu uns 6 anos, mantive uma conversa com ele, acompanhado dum exemplar da revista “Stadium”, procurando saber do seu estado de saúde pois tinha saído duma grave lesão. Com o segundo, talvez nos meus 7 anos, conheci a que iria ser sua esposa e ao seu colo fui debitando os nomes dos jogadores da equipa dos “5 violinos”, tendo o cuidado de, quando cheguei ao nº 9, ter “dobrado” a língua e dito, o sr. Peyroteo. Com 4 ou 5 anos, ainda sem sequer saber ler, eu conhecia os “bonecos da bola”, do Sporting, de tal modo que bastava mostrarem-me os jogadores da cintura para baixo e não falhava um!
Posto isto, valeram-me uns outros fervorosos adeptos ao convidarem-me para me deslocar a Lisboa (eu morava no Algueirão), para no Estádio Nacional assistir a um jogo de futebol. Imaginem qual! Nem mais nem menos, um Sporting-Benfica! Era o máximo! Não cabia em mim de contente, seria o meu primeiro jogo, ao vivo e a sério. No Algueirão já tinha assistido a alguns, com o Pêro Pinheiro, o Montelavar, o Sabugo e outros mas isso era num campo pelado e sem a emoção dos grandes jogos, se bem que eu vibrasse sempre com eles pois até podia ser um jogo de solteiros e casados que eu lá estava!
Chegado a esse dia, após o almoço, sem pressas porque o jogo principal ainda era antecedido dum jogo das reservas dos mesmos clubes e, por conseguinte, só necessitávamos de estar no Estádio lá para as 17 horas, os meus vizinhos puseram o carro a trabalhar, depois dumas boas voltas da manivela, que antigamente era assim e estávamos prontos para a viagem. Saímos, pela estrada poeirenta, direitos ao Algueirão de Cima, onde entrámos na estrada de Lisboa-Sintra. Passámos à Baratã, à Tala, Meleças, Belas e tudo eu ia observando uma vez que para Lisboa só conhecia a linha do comboio.
Cerca das 4 e meia chegámos ao Estádio, ainda sem muita gente e lá fomos para a bancada do topo norte, atrás duma das balizas. Aquilo sim, era um campo de futebol, à séria! Decorria o jogo de reservas e eu só tinha olhos para aquelas camisolas às riscas verdes e brancas. E lá estavam, o Tormenta, o Silvestre, o Ismael e outros que não eram do meu conhecimento. Terminado o jogo de reservas, penso que empatado 0-0 mas isso era o que menos importava, ficámos a aguardar pelo prato forte. Entretanto, ainda com o jogo de reservas a decorrer, diziam alguns: “Olha eles, já ali estão!” e eu lembro-me de ver, junto ao muro em volta do campo, entre outros, o Moreira e o Rogério. Estavam a chegar e daí a pouco todos entrariam, para gáudio da multidão!
E, quando o jogo começou, o Sporting alinhou com o Azevedo, Passos, Juvenal, Canário, Manuel Marques e Veríssimo e ficámos a saber que os “5 violinos” não estariam todos. Jogavam, Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Albano e faltava o Travaços, em virtude duma das suas já costumadas lesões. Quem o ia substituir seria o “Rola”, moço esguio, vindo do “Estarreja” e que se esperava fosse um bom substituto para o Peyroteo, que estava de saída e que, ficámos depois a saber, esse seria o seu último jogo oficial.
A primeira parte decorreu sem muitas preocupações, o Azevedo estava ali mesmo naquela baliza, perto de mim e o Benfica não atacava muito. Da outra baliza, a do Benfica eu pouco sabia o que lá se passava. Ficava lá ao fundo e bastava-me ver alguma coisa e ouvir o bruaá da multidão. Veio o intervalo e fomos até ao bar, desentorpecer as pernas e aliviar as vias urinárias. Aqui já se podia ver que o pessoal era bastante pois tornava-se difícil atravessar no meio do aglomerado de pessoas, todas a quererem atingir os mesmos objectivos.
Começou a 2ª parte e, agora, era a baliza do Benfica que estava ao pé de mim. Agora é que ia ser! Mas apesar das investidas do ataque do Sporting e do Peyroteo, em particular, às redes do Benfica, defendidas pelo Rogério Contreiras, o tempo ia passando e aparte umas cargas mais duras do Rogério sobre o Jesus Correia, que o faziam estatelar-se na pista de cinza (eles que até eram amigos), nada havia a assinalar. Estava a sentir-me defraudado mas, eis senão quando, a um mísero minuto do fim, só tive tempo de ver, quase no meio campo, sobre o lado esquerdo um molho de jogadores e, de lá de dentro, sair uma bola que parecia um foguete em direcção à baliza “encarnada”. O Contreiras mete as mãos à bola mas, ou pela força que ela trazia, ou por azelhice, a bola entrou na baliza. Foi gooooolo!!! Grande pontapé, do Veríssimo!
E enquanto eu ria e pulava de contente, o azarado do Contreiras, de boné na cabeça, só fazia era esfregar os olhos e queixar-se que teria sido por causa do sol. E, se calhar, até foi, mas ainda bem!
Quase de seguida acabou o jogo e eu todo inchado. Tinha visto o Azevedo e o Peyroteo, o Sporting tinha ganho e com essa vitória tinha assegurado a conquista da “Taça Preparação”! Tudo isto, num só dia!
O sol ia-se escondendo, saímos do Estádio, ainda parámos num café junto ao Colégio Militar e era já noite quando fizemos o retorno a casa. Eu, tinha ganho o dia e não o iria esquecer. De tal modo, que já tenho corrigido alguns afamados cronistas da nossa praça quando ignoram tal jogo. Claro que não posso deixar passar tal falha. Seria quase como dizerem-me que esse dia não tinha existido! Era o que faltava!
Hoje, ainda “verde”, mas mais “maduro”, lembro o tempo em que o desporto, principalmente o futebol, era outro, talvez um pouco ingénuo mas mais verdadeiro e em que eu, e a grande maioria, “corria a foguetes” porque a festa era, realmente, popular.