domingo, 22 de janeiro de 2012

"Angola", já foi ... nome de navio ! ( 4 )

( Angola , IV )

Aqui, ainda quase um recém nascido, sulcando as águas.
Terminada que foi a II Guerra Mundial, no dia 10 de Agosto de 1945, o Ministro da Marinha produzia o que viria a ser o famoso Despacho 100, destinado à renovação da Marinha Mercante portuguesa. Assim o quarto navio, um navio misto, de carga e passageiros, foi construído em Inglaterra, nos estaleiros R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd., em Hebburn-on-Tyne, Newcastle, ao abrigo desse Despacho 100. Este navio era gémeo dum outro, o “Moçambique”, construído em simultâneo num outro estaleiro também nas margens do rio Tyne, o Neptune Shipyard, Walker, pelos construtores Swan, Hunter & Wigham Richardson, Ltd.
Encomendado em 20/12/1945, tomou o nº de construção nº 689, o assentamento da quilha ocorreu em 27/06/1947 e o seu lançamento à água teve lugar em 24/03/1948. Nesta cerimónia, para quebrar a tradicional garrafa de champanhe no costado de aço do navio esteve a sua madrinha, a Srª Duquesa de Palmela. Depois das provas de mar, efectuadas como seria normal e lógico ao largo, junto à foz do rio Tyne, no dia 11/12/1948, o navio foi então entregue no dia 17 de Dezembro. Quatro dias depois, sob o comando do capitão António R. de Bettencourt (admitido na CNN em 7/7/1924, terá sido o último comandante do anterior “Angola) e trazendo 22 passageiros a bordo, o navio atracava em Lisboa.

Salão da 1ª classe
Messe dos Oficiais Maquinistas
Entrava o ano de 1949 e logo no dia 4 de Janeiro recebeu a visita de entidades oficiais. No dia 10 (qual bebé, recém-nascido) é registado na Capitania do porto de Lisboa. No dia seguinte zarpa rumo a Leixões iniciando o seu ciclo de vida activa. De regresso a Lisboa, no dia 14 sai para aquela que seria, verdadeiramente, a sua viagem inaugural, rumo ao Funchal, S. Tomé, Luanda, Lobito, Moçamedes, Cidade do Cabo, Lourenço Marques, Beira e Ilha de Moçambique.


Entre os seus 707 passageiros, com destino a Luanda, levou a bordo um jovem de nome José Pereira, natural de Lisboa e que faria 23 anos no dia 5 de Fevereiro. Filho de um militar da GNR, alentejano, nascido em Abela, Santiago do Cacém, e de mãe nortenha, natural de Lordelo, a cerca de 20 km do Porto. Aos 18 anos tinha ele lido um livro de Henrique Galvão sobre Angola, “Outras terras, outras gentes”. A leitura de tal modo o entusiasmou que jurou a si mesmo que iria a essa terra para caçar alguns leões e elefantes. Agora, ali estava, a caminho dessa terra, realizando o seu sonho, deixando a família, pais e irmãos, rumo ao desconhecido!
Quase 60 anos mais tarde, para os amigos e não só, iria relatar o que foi a sua vida e o resultado do seu sonho! A internet a isso ajudou!

Em 1957, como qualquer pessoa entrada na idade adulta (já quase com dez anos), foi a Newcastle, onde tinha nascido, para que fosse reclassificado nos estaleiros Hawthorn Leslie & Co. e Smith’s Dock Company.
Nesse mesmo ano de 1957, em 19 de Setembro, faziam parte da sua tripulação: ainda o seu primeiro comandante, o Capitão António Bettencourt; o Imediato, José Luís Andrade de Araújo; o 1º Piloto, Orlando Ride Leitão; o Chefe de Máquinas, Aníbal Rodrigues Silva; o 1º Maquinista, Manuel da Silva Dias; o Médico, José Nunes Bento Ximbro; o 1º Rádio Telegrafista, António Antunes Dias e o Comissário Manuel Fialho de Oliveira Tito.
No dia 24 de Novembro de 1961, uma sexta-feira, o navio sai para mais uma viagem, levando a bordo aquele que, após o 25 de Abril de 1974, viria a ser o presidente da República Portuguesa. António Spínola, tenente-coronel, até esta data talvez mais conhecido do grande público por via das suas qualidades de cavaleiro, patenteadas em muitos e variados concursos hípicos, do que pelas suas qualidades militares e o seu inseparável monóculo. Agora, já com 51 anos, tinha-se oferecido como voluntário para Angola, com destino à guerra colonial que nesse ano tinha rebentado. Ao final da manhã, à frente do grupo de Cavalaria 345 (GC 345), formado em Estremoz e constituído por 638 militares oriundos de várias unidades, embarcou e almoçou com os seus oficiais no salão da 2ª classe. Sopa de feijão e couve; Peixe cozido com batatas e “Ragout” de carne, era o menu. Tudo regado com vinho branco e tinto e para fim do repasto, como sobremesa, houve fruta. Nada mau!
Dez dias depois, 4 de Dezembro, ao princípio da tarde, o navio atracou ao porto de Luanda.

Nesse grupo de militares, além de Rui Machado da Cruz e o furriel Luíz de Mello Corrêa, que em 22 de Novembro de 2008 organizariam, em Estremoz, no Regimento de Cavalaria 3, o encontro comemorativo dos 47 anos do embarque para África, lamentando que depois da morte do general Spínola o número de participante tivesse vindo a decrescer, encontrava-se também António Cáceres Veiga, militar que, segundo ele, por uma qualquer obra do acaso em que a vida é fértil, em pleno teatro de guerra, salvou o tenente-coronel de morrer com um tiro na cabeça. Foi o caso de que o comandante, destemido e sem capacete, estava em pé a tentar descortinar o inimigo. António Veiga apercebeu-se disso e colocou-lhe o capacete. Quase acto contínuo um som de impacto metálico soou. Uma bala tinha ressaltado no capacete! O destino falou mais forte!

O Grupo regressaria a Lisboa, com Spínola já coronel, no dia 4 de Março de 1963 (ou 1964 ?)!
Fruto do seu reconhecimento, António Spínola enviou a António Veiga um telegrama a propor-lhe um bom emprego, no laboratório de produtos farmacêuticos de seu irmão, Francisco Spínola. Emprego aceite, mas por pouco tempo. A vida de Lisboa não era para António Veiga e este regressou ao seu Alentejo. Spínola compreendeu e provando a sua estima fez questão de ser seu padrinho de casamento, o qual se efectuaria no dia 12 de Setembro de 1964. António Veiga dedicou-se algum tempo à agricultura até conseguir entrar para a Guarda-Fiscal, da qual se reformou pouco depois do 25 de Abril de 1974. Do casamento com sua mulher Rosa, resultaram dois filhos, José, professor de música em Portalegre e Alice, professora de Português, em Alenquer. Hoje, António Veiga, próximo dos 70 anos, dedica-se à produção de gado bovino, numa propriedade nos arredores de Monforte, no Alto Alentejo.

Em 18 de Janeiro de 1966, entrou na doca nº1 do estaleiro da Rocha para reparação da avaria provocada pelo encalhe sofrido na ilha de Moçambique, em 24 de Novembro de 1965.
Acerca desta reparação, escrevia a revista da Lisnave, nº 3, de Março de 1966:
“Para reparação da avaria provocada por um encalhe sofrido em Moçambique, em Novembro do ano passado, entrou na doca 1 do estaleiro da Rocha, em 18 de Janeiro, o paquete “Angola”, de 9.550 toneladas d.w., propriedade da Companhia Nacional de Navegação.
Grande parte da importante reparação foi executada, desde a data da entrada do navio até ao dia 26 de Fevereiro, em doca seca e em regime de trabalho contínuo, tendo sido executados, simultaneamente, obras de beneficiação de rotina e para reclassificação. Neste período, foram trabalhadas mais de duzentas toneladas de material, tendo sido cravados cerca de 25.000 rebites e abrangidos todos os tanques do duplo fundo.
Como facto relevante da natureza da grande reparação, deve anotar-se que todos os picadeiros da doca foram deslocados, tendo o navio sido escorado, provisoriamente, e utilizadas mais de seiscentas escoras.
Para além do facto de todas as chapas da quilha, dos tanques 1 ao 8 terem sido reparadas, há a salientar o grato acontecimento de, pela primeira vez, as oficinas do estaleiro da Margueira terem colaborado num trabalho de reparação naval.
Finalmente, vinque-se que todos os compromissos foram integralmente cumpridos, o que – dizê-mo-lo com a maior satisfação - , vem demonstrar, mais uma vez, o elevado grau de técnica, eficiência e brio profissional, do pessoal dos nossos estaleiros.”

Em 1967, David Mourão Ferreira escreve, a pág. 145 do seu livro “Saudades de Lisboa, de Eça de Queirós a Miguel Torga”, livro ilustrado por Bernardo Marques: “… o “Angola” da Companhia Nacional de Navegação, num andamento vagaroso. Três gaivotas acompanham em desenhos largos, a manobra lenta do navio…”
No dia 29 de Junho de 1970, sai para mais uma viagem, levando a bordo, a caminho de Moçambique, o passageiro António Silva que em Agosto de 2008 no-lo dava a conhecer.

No dia 19 de Setembro de 1970, de novo deixa Lisboa levando alguns militares para rendição individual em Angola. Entre eles ia Fernando Ferreira, que pertenceu ao STM do Comando Militar de Leste.

Também neste ano de 1970, um passageiro de nome José, lá viajou a caminho de Luanda. Ele o disse em Agosto de 2008.

No dia 12 de Março de 1971, o “Angola” entra no estaleiro da Lisnave (Rocha) para trabalhos de reclassificação que se prolongam, durante pouco mais de mês e meio, até ao dia 30 de Abril. O navio foi modernizado reduzindo o número de passageiros para 247 (106 em 1ª classe e 141 em classe turística) e o número de tripulantes para 155, aumentando assim a capacidade de carga para 14.020 m3 e o porte bruto para 8.851 Tdw. Também as cores do navio foram alteradas, passando casco a ser “azul médio” com linha de água marcada a “azul escuro” enquanto na chaminé se aumentava a área pintada de “azul”.
Acerca desta reclassificação, escrevia a revista da Lisnave, nº 65, de Maio de 1971:
“De 12 de Março a 30 de Abril passado decorreram, no estaleiro da Rocha, os trabalhos de reclassificação do navio “Angola”.
Os trabalhos principais consistiram em beneficiação de máquinas, bombas, caldeiras e geradores, e remoção dos camarotes existentes nas cobertas dos porões 1, 2, 3 e 4 e adaptação dos espaços respectivos para cobertas de carga.”
Seria talvez o “prenúncio de uma morte anunciada”, que iria ocorrer 3 anos mais tarde!
Após esta reclassificação, regressou à carreira regular da linha de África, onde se manteve até ao dia 27 de Novembro de 1973, dia em que largou de Lisboa, rumo a Moçambique, naquela que seria a sua última viagem. Durante essa viagem teve conhecimento de que o seu dono (a CNN) tinha obtido autorização governamental para a sua venda. Chegado ao Maputo (antiga Lourenço Marques) foi, então, retirado do serviço no dia 30 de Dezembro de 1973.
Despedia-se do ano e da sua tripulação, parte da qual regressou a Lisboa no seu bem conhecido “Príncipe Perfeito”.
Demorou um mês a sua espera e no dia 31 de Janeiro de 1974 foi vendido à firma Chou’s Iron & Steel Co.. O seu destino estava traçado. Com pouco mais de 35 anos de vida, qual eutanásia, esta era-lhe retirada! Ia ser abatido, esventrado e desmantelado, levando com ele memórias de muitas vidas!
Para acabar os seus dias, no dia 16 de Janeiro de 1974 rumou à Formosa, onde chegou a Hualien no dia 8 de Fevereiro.
As características principais eram as seguintes:
Segundo os documentos da época
( revista No. 483. Vol. 56. - “The Shipbuilder and Marine Engine-Builder, March 1949 , page 183, TABLE I )

Table I – Principal Dimensions, etc., of the Motorship “Angola”

Length overall
549ft. 8in.
Length B. P.
520ft. 0in.
Breadth moulded
67ft. 0in.
Depth moulded to upper (D) deck
36ft. 3in.
Depth moulded to shade (C) deck
44ft. 3in.
Load draught
27ft. 0in.
Deadweight, tons
9,550
Displacement, tons
18,223

British tonnage: -

Gross
12,932
Net
7,366


Cargo capacities, bale, cu. ft. : -

General
380,980
Insulated
14,720
Special
3,993


Passengers: -

First-class
88
Tourist-class
150
Third-class
98
Emigrants
392

________________
Total passengers …………………………………..
728
Crew (about)
172

_______________
Total complement
900

_______________
Fuel-oil capacity (maximum), tons, at 98 per cent. full
1,385*
Water-ballast capacity (maximum), tons
1,804*
Fresh-water capacity (maximum), tons
2,303*


Designed speed in service, knots
18
Corresponding B.H.P.
13,000
Corresponding r.p.m.
115



* Certain tanks available alternatively for fuel oil or water ballast, and for ballast or fresh-water, and are included in the capacities mentioned. (See Table III.)
Por outro lado, as características principais constantes de elementos retirados do site http://navios.no.sapo.pt/angola.html, que penso serem os que constam do registo do navio, na Capitania e nas seguradoras, são as seguintes:

Características principais
Tipo
Navio misto de 2 hélices
Construtor
R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd.
Local de construção
Newcastle-on-Tyne, Inglaterra
Ano de construção
1948
Ano de abate
1974
Registo
Capitania do Porto de Lisboa, em 10 de Janeiro de 1949, com o nº H 370
Sinal de código
C S C R
Comprim. fora a fora
167,11 m
Boca máxima
20,50 m
Calado à proa
8,21 m
Calado à popa
8,21 m
Arqueação bruta
12.974,66 ton
Arqueação líquida
7.703,48 ton
Capacidade
12.440 m3
Porte bruto
9.703 ton
Aparelho propulsor
2 motores Diesel, 6 cil. cada, mod. “Doxford”, construídos em 1948
por R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd. em Newcastle- on-Tyne
Potência
13.000 Cv
Velocidade máxima
18,0 nós
Velocidade normal
17,0 nós
Passageiros
Alojamentos para: 20 em classe de luxo; 69 em 1ª classe; 141 em 2ª classe; 98 em 3ª classe e 413 em 3ª suplementar, num total de 741 passageiros
Tripulantes
212
Armador
Companhia Nacional de Navegação - Lisboa
Da simples observação das duas tabelas logo se verificam algumas diferenças, tais como:
1) A tripulação prevista era de 172 tripulantes, o registo é de 212
2) O total de passageiros, previsto, era de 728, o registo é de 741. A 1ª classe, que previa 88 passageiros, no registo desdobra-se em classe de luxo e 1ª classe, com um total de 89 passageiros; a 2ª classe (tourist), previa 150, é reduzida a 141; a 3ª classe mantém o mesmo número e a 3ª suplementar (emigrants) é aumentada de 392 para 413
3) A arqueação bruta prevista eram 12.932 ton, no registo são 12.974,66 ton e a arqueação líquida, que era de 7.366 ton, passou a 7.703,48 ton
4) O comprimento fora a fora, previsto, era 167,54 m , no registo estão 167,11 m
5) A capacidade total prevista era de 11.319,31 m3, o registo apresenta 12.440 m3
Nota-se, assim, o que é regra não só neste caso como em quase tudo o que é português!
O espaço dá sempre para caber mais um e são sempre necessárias mais pessoas para fazer o trabalho que já estava devidamente dimensionado. Conclusão, o espaço por pessoa diminui e o trabalho necessita mais pessoal. Ao todo, mais 53 pessoas, 40 tripulantes e 13 passageiros. É a produtividade nacional!
Também, entre dois navios que deviam ser exactamente iguais, o “Angola” e o “Moçambique”, este além de ter mais 9 passageiros ( 750 ), tinha que ter mais um tripulante ( 213 )! Afinal, ainda se podia espremer mais um bocadinho!
Num folheto da Companhia pode ler-se ainda que, à excepção de 2 camarotes da 3ª classe, todos os outros são exteriores! Estes 2 que são excepção devem ser o resultado do aumento na 3ª classe suplementar, de 392 para 413. Também que o deslocamento do navio são 18.250 ton e não as 18.223 ton previstas.
Por último, o estaleiro de construção, embora seja perto de Newcastle é, mais propriamente, em Hebburn-on-Tyne.
(Não terminaria aqui a minha dissertação sobre o navio “Angola”, principalmente este último, como é óbvio. Claro que durante o período em que lá andei, como oficial maquinista, desde 1963 a 1966, muito mais assunto eu tenho, sendo o mais relevante um encalhe na ilha de Moçambique que deu origem a uma reparação, no fundo do navio, que durou mais de 2 meses e que aqui, ao de leve, vai referida! Para os interessados, está mais pormenorizada, neste mesmo blogue, em dois "posts" colocados em 24/11/2009 e 09/12/2009 )

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"SONETO DA FIDELIDADE" !



No meu “post” anterior, refiro que no Estoril, em Outubro de 1939, exactamente na passagem dos seus 26 anos,  e enquanto aguardava a partida do navio “Angola”, que o levaria e a sua esposa de regresso ao Brasil, Vinicius escreveu aquele que talvez seja o mais famoso poema da sua obra: “Soneto da Fidelidade”.

Na suposição de que algum dos meus leitores esteja interessado em conhecer esse tal “Soneto da Fidelidade”, aqui o coloco juntamente com algumas palavras sobre o seu autor.

Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, nascido no Rio de Janeiro, em 19 de Outubro de 1913 e falecido, também no Rio de Janeiro, no dia 09 de Julho de 1980 foi diplomata, jornalista, dramaturgo, poeta e compositor.


SONETO DA FIDELIDADE

De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei-de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Angola", já foi ... nome de navio ! ( 3 )

( Angola , III )

O "Albertville" saindo do porto de Anvers (Antuérpia), rumo ao Congo (ex-belga)
(retirado de www.simploc.co.uk )
O terceiro, um navio construído em 1912 ( lançado à água em 30 de Junho e entregue em Dezembro) nos Estaleiros John Cockerill, Hoboken, Bélgica, com o nome de “Albertville” (também já o quarto com esse nome), para o serviço da Compagnie Belge Maritime du Congo, era já um cargueiro de razoáveis dimensões, com 7.050 tons deadweight, 439,5 pés de comprimento, 55,7 pés de pontal e 37 pés de boca. Tinha acomodações para 164 passageiros em 1ª classe e 136 em 2ª; 2 propulsores; motor John Cockerill, Seraing, de 8 cilindros, 964 bhp, que lhe permitia atingir uma velocidade de 14 nós; dois conveses e um convés de abrigo.
Durante a 1ª Guerra Mundial, foi requisitado pelo governo britânico e utilizado como navio hospital no período de 1914/1915.
Só em 24/4/1923,quando foi adquirido pela CNN, recebeu o nome de “Angola” e, após uma completa revisão nos estaleiros construtores, em 16/6/1923 deixou Antuérpia, rumo a Lisboa, ficando então ao serviço da companhia.
Ostentando, já, o nome de "Angola"
( retirado de www.photoship.co.uk)

Logo nesse ano de 1923, no dia 4 de Outubro, talvez no regresso da sua 1ª ou 2ª viagem com o novo nome, chegava a Lisboa trazendo a bordo, vindos de Angola, o Alto Comissário de Angola, general Norton de Matos, e o elefante “Maputo”, este muito provavelmente com destino ao Jardim Zoológico de Lisboa.

Em 1924, Pedro Muralha escrevia na pág. 17 do seu livro “Terras de África: S.Tomé e Angola”: “…Há seis longos dias que não divisamos terra. O “Angola”, era um dos navios mais importantes da Companhia Nacional de Navegação…”



Em 1929, no dia 26 de Setembro, durante a viagem , aos 46 anos, morre o passageiro, Tomaz de Aquino de Almeida Garrett, 2º visconde de Almeida Garrett.

E em 1932, Julião Quintinha, também depois de ter viajado neste navio, escrevia na pág. 148 do seu livro “Terras do sol e da febre: impressões do Congo Belga, África Equatorial Francesa, Transvaal, Nyassaland, Tanganyk, Zanzibar, Mombaça, Aden, Egipto”: “…O navio em que viajo é o “Angola” da Companhia Nacional de Navegação, bastante confortável e até com mais luxo do que alguns navios alemães…”e mais adiante, na pág. 149, “…Salva-me desta ameaçadora monotonia o momentâneo e alegre tumulto que invade o navio quando ele toca em algum porto.”
Ainda neste ano de 1932 realiza, o "Angola", uma única viagem redonda, ao Brasil.
Em Julho de 1939, levou com destino a Angola, numa viagem de trabalho, o Presidente da República, General António Óscar de Fragoso Carmona e o Ministro das Colónias, Dr. Francisco José Vieira Machado, perspectivando a consolidação dos laços de solidariedade moral e política entre as Colónias e a Metrópole.
À chegada a Cabinda a colónia procurou dar a conhecer, ao Chefe do Estado, todas a s suas potencialidades e em cerimónia de boas vindas fez sobrevoar o paquete por todos os aviões do Aero Clube de Angola, com o intuito de conseguir apoios para o desenvolvimento da aviação civil.

Nesta viagem entre os muitos tripulantes do “Angola” estava o pai de Maria Ivone Salvadora Fernandes, de Vila Real, que em Dezembro de 2007 resolveu participar num blog dando a conhecer o seu interesse por este navio, fruto do que tinha ouvido a seu pai.
 

Em Outubro do ano de 1939, o “Angola” faz a sua primeira viagem transatlântica, rumo ao Brasil, ligando Lisboa a Santos, via Rio de Janeiro. Leva, nessa viagem, Vinicius de Moraes e sua mulher Tati que, vindos de Paris, onde se encontravam aquando da eclosão da II Grande Guerra, no dia 2 de Setembro, tinham decidido regressar ao Brasil. Fortuitamente tinham encontrado em Lisboa o escritor modernista Oswaldo de Andrade e sua esposa, Bárbara, resolvendo esperar cerca de 45 dias pela partida do “Angola” para juntos fazerem a viagem. No Estoril, enquanto aguardava a partida do navio, Vinicius escreveu aquele que talvez seja o mais famoso poema da sua obra: “Soneto da Fidelidade”.

Nesse ano de 1939, o Comandante seria António R. de Betencourt, o 4º Oficial de Navegação seria Eduardo Mariano da Fonseca Pereira e o 3º Oficial Maquinista seria Américo da Silva Tomar que, mais tarde, viriam a ser, respectivamente, comandantes os dois primeiros e Chefe de Máquinas o terceiro, no último navio “Angola”. Também neste navio andaram Manuel B. Russo Belo, como 3º Oficial Maquinista e Joaquim Cipriano da Silva, como 4º Oficial Maquinista (este foi também Chefe de Máquinas no último navio “Angola”).

Decorria o ano de 1940, já em tempo de guerra quando, de novo a caminho do Brasil, o navio que, para fácil identificação e assim evitar ataques de submarinos, levava pintadas em branco e em ambos os bordos, em grandes letras: Angola, Lisboa, Portugal, foi abordado pelos alemães em alto mar, tendo ficado a aguardar cerca de 24 horas até que fosse autorizado a prosseguir viagem.
Embora a tripulação, pacientemente, tentasse acalmar os passageiros, estes, assustados, choravam e gritavam de medo. Entre os passageiros estavam, Maria Gomes, menina portuguesa, nascida em 1931, na freguesia do Líria, onde viveu até ao dia desta viagem, com sua mãe e seus três irmãos e que se iam juntar a seu pai, trabalhador no Banco do Estado de São Paulo.
No dia 5 de Junho o navio entraria no porto de Santos e a sua saída, após uma permanência de cerca de 3 semanas, estava prevista para o dia 22 com destino a Lisboa e Leixões, via Rio de Janeiro e Recife.


No dia 27 de Julho de 1940, sai o navio de Lisboa, que chega ao Rio de Janeiro no dia 5 de Agosto, levando consigo representantes das mais ilustres famílias polacas, entre outros, Roman Sanguszko, Karolina, Olgierdi i Konstanty Czartoryski e Jolanta Radziwill e grandes figuras da cultura polaca, tais como, os poetas Julian Tuwim e Jan Lechon e a actriz Irena Eichlerówna, que fugindo da guerra, emigravam para o Brasil.
Ainda em 1940, no dia 20 de Outubro, também para o Brasil, muito abatido, partia para o exílio Jaime Cortesão, acompanhado de sua mulher e de sua filha Maria Judite, também ela exilada. No cais, na despedida, estiveram aqueles poucos que não quiseram deixar de se despedir dum amigo, arrostando com tudo o que politicamente isso lhes acarretava. Foram eles, além de dois dos seus filhos, Mário Salgueiro, António Sérgio, Francisco Mendes, Montalvor, Câmara Reys, Augusto Casimiro (seu cunhado), Hernâni Cidade, Álvaro Pinto e seu filho, e a chefe e duas guardas da cadeia das Mónicas (que se vieram despedir de Maria Judite).



Em 1946, o seu nome foi alterado para “Nova Lisboa”, para dar lugar ao novo “Angola” que iria ser construído ao abrigo do Despacho 100.

Em 1950 o, agora, “Nova Lisboa” foi vendido à British Iron & Steel Cº, Ltd ( BISCO) mudando o nome para “BISCO 3” e no dia 4 de Julho desse mesmo ano, levado pelo rebocador “Turmoil”, deixou Lisboa, rumo a Inglaterra, para ser desmantelado em Blyth, por Hughes Bolckow Shipbreaking Cº, Ltd..
Tinha também, este navio, em 1939:
Convés: 1º, 2º , 3º e 4º (2) Oficiais de Navegação e Praticantes (2); Carpinteiro e Contra-mestre.
Saúde: Médico e Enfermeiro.
Máquinas: 1º, 2º e 3º (2) Oficiais de Máquinas e Praticantes (4).
Câmaras: 1º e 2º Comissários e Praticante; 1º e 2º Despenseiros

Um total de 24 oficiais e equiparados!

Características Principais

Tipo de navio.......................................... Misto (carga e passageiros), 2 hélices
Construtor …………………………….. John Cockerill
Local de construção ............................... Hoboken, Bélgica
Ano de construção ................................. 1912
Nº de registo .......................................... 415-E, na Capitania do porto de Lisboa
Sinal de código ...................................... C.S.A.F.
Comprimento fora a fora ....................... 139,64 m
(Length overall)
Comprimento entre pp. .......................... 439,5’ ( 133,96 m )
(Length between perpendiculars)
Boca (Breadth).......……... 55,7’ ( 16,98 m )
Pontal (Depth moulded) . 7,74 m
Calado a vante (Draft forward) …... 10,45 m
Calado a ré (Draft after) …....… 11,28 m
Porte bruto (Deadweight) …...… 7.050 ton
Arqueação bruta ……………………... 7.884 ton
(Gross Tonnage)
Arqueação líquida ................................ 4.844 ton
(Net Tonnage)
Aparelho propulsor ………………….. John Cockerill, Seraing / 8 cilindros
(Main engine)
Potência (Horse power) …... 964 nhp
Velocidade (Speed) .................. 14 nós
Total de passageiros ............................ 474 ( 96 em 1ª; 134 em 2ª; 144 em 3ª e 100 em 4ª classe) *
* Caso fosse necessário a 4ª podia alojar mais 64 passageiros

(continua)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"Angola" , já foi ... nome de navio ! ( 2 )

Quanto aos já referidos quatro navios portugueses, todos da Companhia Nacional de Navegação e a seguir descriminados, passados que são já bastantes anos, socorri-me da informação possível e aproveitando alguns episódios passados a bordo, mencionando pessoas e factos dalgum modo conhecidos e outros de gente que só não é anónima porque aqui é mencionada mas nem por isso menos estimável e relevante.

( Angola , I )

O primeiro (também o primeiro navio da companhia) foi um navio de 1.263 ton deadweight, construído em 1881, em Hull e destinava-se ao serviço entre Portugal e os portos da África Ocidental. Esteve ao serviço da companhia, que então era designada por Empreza Nacional de Navegação, durante cerca de 30 anos ( até 1909 ), ano em que foi vendido a um armador italiano.

Este navio, quase seguramente, foi comandado por António Eduardo de Oliveira que foi admitido na Empreza Nacional de Navegação em 1891 e aí se manteve até 1908!


( Angola , II )
(sem foto disponível)

O segundo, construído no ano de 1906 para a companhia Astral Shipping Ltd., em Liverpool, foi um navio de carga a vapor e navegou, desde essa data até 1911, com o nome de “Drumcairne”. Comprado em 1911 pela Empreza Nacional de Navegação, teve uma curta carreira, até 10 de Março de 1917, dia em que navegando no Golfo da Biscaia e tentando furar um bloqueio naval, foi afundado por um submarino alemão, à entrada do Canal de Bristol. Coordenadas da tragédia, 48º30”N 08º35”W!

Mais uma vítima da 1ª Guerra Mundial!

Características Principais
Tipo de navio : ........................ Carga, a vapor, de 1 hélice
Construtor : ............................ Joseph Russel & Co.
Local de construção : .............. Glasgow, Escócia
Ano de construção : ................ 1906
Nº de registo : .......................... 381-C, na Capitania do porto de Lisboa
Sinal de código : ...................... H.C.F.V.
Comprimento entre pp. : ......... 117,30 m
(Length between perpendiculars)
Boca : ...................................... 15,16 m
(Breadth)
Pontal : .................................... 8,00 m
(Depth moulded)
Porte bruto : ........................... 5.215 ton
(Deadweight)
Arqueação bruta : .................... 4.769,95 ton
(Gross Tonnage)
Arqueação líquida : .................. 3.097,12 ton
(Net Tonnage)
Aparelho propulsor : …………. Máquina a vapor, tripla expansão
(Main engine) John G. Kincaid Co., 1905
Velocidade : ............................. 12 nós
(Speed)
Este navio, é provável que tenha sido comandado por Emílio Arthur Leote Quintino, admitido na Empreza Nacional de Navegação em 1898 e que aí se manteve até 20/03/1919.
Terá sido? Se não comandou este, comandou o anterior “Angola”!

Estranho que na “Lista dos oficiaes da Companhia Nacional de Navegação”, em 1919, não constam os Oficiais de Máquinas, informando na página respectiva que, está em formação!

(continua)