domingo, 27 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”!( 3 ) Os professores (parte II)

No dia 7 de Outubro (sábado e primeiro dia de aulas), fui à escola e, nesse mesmo dia a minha mãe, à tarde foi falar com o professor Lemos para tratar da minha transferência para Lisboa. No regresso a casa, atalho abaixo, tivemos o acompanhamento do professor e, ali, fizemos as despedidas!
Na segunda-feira, dia 9, apresentei-me, em Lisboa, na Escola Primária nº 8.
Era só atravessar a rua. Longe ficavam os tempos do atalho!
A professora era a D. Maria (Maria de Jesus Santos), senhora já duma certa idade mas que se impunha e de que maneira. Vi a notícia do falecimento dela, anos mais tarde, cerca de 1967 ou 1968, quando estava a estudar num café, em Algés. Suponho que o jornal era “A Capital” e julgo que teria morrido em casa, na rua dos Cordoeiros, na Bica, sozinha (o que até parece bem actual). A vizinhança descobriu e veio a verificar-se que teria muito “papel” (acções e obrigações) que lhe teria deixado o marido mas que, infelizmente, não as soube aproveitar.
Conheci novos amigos e o mais importante foi no fim da aula trazer uma lista enorme, para aqueles tempos, mencionando todo o material de que necessitava para a 4ª classe. Faço ideia a dor de cabeça que provoquei aos meus pais. Eram livros, cadernos, esquadros, régua e até um duplo-decímetro!

Seríamos, então, 22 (vinte e dois) alunos. Iam-se escolhendo os colegas de carteira e calhou-me ficar com o Bastos. Provinciano também, serviu-me de apoio na integração dos primeiros tempos que, apesar de tudo, foi bem fácil
Inicialmente tive grandes problemas no Desenho, coisa que eu nunca tinha feito na minha curta vida escolar.
Mas então que dizer das Ciências, com todos aqueles nomes do corpo humano, das folhas das plantas, etc.? E da Geografia, que começava logo pelos sistemas de orientação, sendo que eu cada vez estava mais desorientado?
Ora foi por causa da Geografia, mais propriamente por causa das produções das ilhas e das províncias ultramarinas, das quais eu pouco mais fixava que os chapéus de palha dos Açores e o coconote que eu espalhava por tudo quanto me perguntassem. Assim, num dia azarado, ao serem-me perguntadas as produções duma qualquer província ultramarina, aí me saí eu com qualquer coisa e mais o coconote. Atrás deste disparate vieram então as 11 reguadas, únicas na 4ª classe, e que não mais me esqueceram.

Na Aritmética não havia problemas e bastas vezes fui posto a verificar os cadernos de problemas do resto da classe.
Na História, que era o que eu mais gostava, os problemas eram pouco menos que nenhuns e posso dizer que usei esses conhecimentos durante a escola secundária e ainda hoje me socorro de algumas coisa que aprendi na 4ª classe.
Na Gramática a coisa não corria mal, mas a caligrafia era o meu problema, uma vez que eu tentava imitar aquilo que algum colega meu fazia e me diziam ser boa letra.

Uns faziam letra para a direita, outros para a esquerda e outros ainda, letra direita. Pois bem, quando eu assim fazia estava sempre mal. Eu não conseguia manter a letra sempre para o mesmo lado. Grande parte do problema também se devia às malvadas canetas de aparo que além de não ajudarem ainda faziam pregar alguns borrões no papel o que me desagradava e enervava de que maneira. Assim, um belo dia, resolvi fazer uma redacção com uma caneta de tinta permanente que eu já tinha há alguns anos, uma Waterman’s (oferecida por uma senhora chinesa, no Algueirão). Pois não é que a professora não acreditou que tivesse sido eu a escrever tal coisa e até pediu para o meu pai lá ir falar com ela? O meu pai não foi mas eu comprometi-me a levar a caneta e a escrever à frente dela e o caso ficou assim.

O problema da letra era de tal ordem que ao escolher os alunos para gerir a Caixa Escolar, eu fui passado de Secretário (porque tinha que escrever) para Tesoureiro. O Secretário era então o Machado. O que é que nós alguma vez fizemos, ainda estou para saber!
Recordo-me de um dia, talvez um sábado, ter-mos Canto Coral. Escusado será dizer que eu nada sabia, mas lembro-me de que uma das cantigas começava assim “ A oeste da Europa, num cantinho do ocidente... e mais nada. Talvez também nesse dia tenhamos ido brincar para um pátio interior. Só me lembro de lá ter estado uma vez.

As vacinas! Esse, sim, um dos maiores problemas, pois cada vez que se deslocavam à Escola para vacinação, lá estava sempre o João porque, exceptuando a vacina para entrar para a escola (tomada na Rua das Francesinhas), nunca até aí eu tinha tomado mais nenhuma. No Algueirão não se usavam esses luxos!
Assim, de vez em quando, lá andava eu com o pescoço preso, se era dada na omoplata (um líquido azul, que doía que se fartava) ou com o ombro inchado, se era dada no braço. Valia-nos um enfermeiro que começava a conversar connosco e quando dávamos por ela já estava a agulha espetada.

Apesar de tudo, a 4ª classe correu bem, a professora (arriscando) deixou-me ir à escola ainda uns dias antes de terminar o tempo de quarentena (devido ao meu problema de tosse convulsa), mas manteve-me quase sempre sozinho numa das últimas carteiras da sala. O exame final foi feito na Escola nº 2, na Rua das Gaivotas. Assim, no dia 20 de Julho, eu ia com mais medo que me desse um ataque de tosse convulsa do que do próprio exame. Quanto ao exame, o meu maior receio era a parte do desenho mas, como pediam para fazer um copo com asa, a dificuldade era relativa. Recordo que acabei o exame e aguardei cá fora o resultado. A minha mãe foi ter comigo, mais para saber como a minha tosse se tinha comportado. No caminho ao perguntar-me qual tinha sido o resultado respondi com despreendimento, “levei uma Distinção”. O meu pensamento dirigia-se já para o exame de admissão que eu não tinha ainda a certeza de que os meus pais me pudessem facultar. A vida não era fácil e já se procurava um emprego para o rapaz. Entre outros, estava em vista um emprego de estafeta para um ourives (suponho que num 4º andar, ali na Baixa).

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”!( 3 ) Os professores (parte I)

(Cumpre, agora, falar sobre os professores ou, melhor, sobre as professoras da 1ª e da 4ª classe e o professor da 2ª e da 3ª classe)

Alguns dias após o dia 7 de Outubro (dia de abertura oficial das escolas), apareceu uma professora que morava na Rinchôa e que se chamava Maria Alice. Como já escrevi, não havia carteiras para todos porque eram duas classes juntas, a 1ª e, penso que a 3ª. Assim, durante o 1º período, sentava-me num banquinho, encostado à parede. Os trabalhos eram então feitos ou na ardósia ou num caderno em cima da ardósia. Recordo que nos primeiros dias, devido aos nervos, a criançada necessitava de fazer as suas necessidades mais amiúde. Assim, o ”Senhora professora, posso ir lá fora?” era constante e a professora tentava minimizar essas interrupções conforme ia podendo, o que originava uma certa retracção da pequenada e, consequentemente, algumas mijadelas pelas pernas abaixo, o que também a mim aconteceu por uma vez. A partir do 2º período já tivemos carteiras novas.
Desta professora só recordo que tinha uma filha da nossa idade e que gostava que lhe arranjássemos estampas (de santinhos ou outras) para ela. Vinha da Rinchoa a pé, pela estrada das Mercês e, tal como nós, tinha que se aguentar com a distância e as agruras do tempo. No ano seguinte, talvez desgostosa com a situação, terá ido para outra escola.
Só me lembro de uma vez ter brincado na área de recreio da escola. Ficava nas traseiras e era apenas um pedacito de terreno cheio de erva. Doutra vez, deu muito brado um achado que teria sido feito pela professora ou por uma empregada. Tratava-se de um ninho, suponho que apanhado por algum dos alunos e que deve ter sido escondido na casa de banho. Foi uma situação muito excitante e intrigante para as nossas cabecitas pois meteu lição de moral e tudo.
Não me dei mal, mas não deu para reter mais nada acerca dela. Fiz a prova final e passei para a 2ª classe.

Na 2ª classe tive um novo professor, o professor Lemos ( Augusto Sampaio Lemos ). Morava em Lisboa, na rua Maria Pia e era, suponho, de Vale do Peso, Crato (Alentejo). Tal como nós, fazia a pé o trajecto, da estação de comboio de Algueirão-Mem Martins até à Escola e vice-versa.
Foi uma grande diferença entre os métodos deste professor e a anterior professora. Logo no primeiro dia, a alguns alunos que já crescidos demais para andarem na escola pretendiam impor a sua lei, fez saber qual era a força do seu pontapé. Houve alguns que deixaram de ir à escola por via disso. O novo professor não estava para lhes aturar as “madurezas”. Outros tempos!
Logo no primeiro dia, o professor pôs-nos alinhados defronte dele, a ler a lição, cada um por sua vez. No fim, feita a apreciação individual, colocou-nos por ordem segundo a qualidade de leitura e interpretação gramatical. Depois, sempre que um aluno, mais mal classificado, tinha uma melhor interpretação que os outros, passava para a frente de um ou mais colegas sendo-lhe dada a incumbência de aplicar uma reguada em cada um dos ultrapassados. Escusado será dizer que sempre que algum aluno, normalmente mal classificado, se excedia no “zelo” com que aplicava as reguadas, estava a arranjar maneira de que na próxima vez que lhe calhasse a ele ser ultrapassado, o que era mais que provável, ser brindado com uma tareia das antigas, pois todos quantos o ultrapassavam queriam deixar-lhe a sua marca. Apesar de tudo a coisa era mais ou menos bem gerida e pacífica e não houve problemas de maior mas, eu não posso ser juiz em causa própria…
Como dava aula simultânea a duas classes, isso servia para que os da classe mais atrasada se fossem familiarizando com a matéria futura.
Levava o almoço numa marmita que aquecia numa lamparina, em cima da secretária, enquanto ia dando a aula.
Como bom alentejano, era muito “terra a terra” e não admitia abusos. Ensinava, mantinha a disciplina e tinha connosco uma boa relação. Pessoalmente, estava nas suas boas graças e também por isso, debati-me com um “grave problema”.
Aconteceu que, já depois do começo do ano lectivo, andava eu na 3ª classe, terá sido próximo do fim do 1º período, apareceu um aluno transferido não sei donde. Era o Corujeira. No último dia de aulas o professor preencheu a ficha de transferência do rapaz e havia que enviá-la para a Direcção Escolar, em Sintra. O professor, tal como nós, fazia o trajecto do atalho, para cima e para baixo e passava relativamente perto da estação dos Correios. Por uma qualquer razão e como eu passava mais perto, incumbiu-me de passar pela estação dos Correios e entregar a carta. Deu-me a carta durante a aula e eu pu-la na sacola. Tudo bem, só que ele não sabia que eu só iria mexer na sacola no dia em que fosse para a escola. Ela só me servia para levar e trazer livros e o parco almoço. Em casa nem lhe tocava, fazia os trabalhos na escola e quando chegava a casa pousava-a e “ala que se faz tarde, para a brincadeira”. Por vezes ainda ia ajudar o Lino a fazer os trabalhos. Ele morava defronte de mim e eu precisava dum parceiro!
Aconteceu, então, que esta cabeça nunca mais se lembrou de semelhante incumbência e no dia em que retornei à escola fiquei muito admirado com um envelope que ali estava à frente dos meus olhos, como que por encanto. Nem queria acreditar, até que ao fim dalgum tempo lá consegui lembrar-me do que era aquilo. E agora! O que ia ser da minha vida? Com muito jeitinho, tentei abrir o envelope sem o danificar e consegui. Boa! Apressei-me a ler o que lá estava dentro e vi, então, que era a transferência do rapaz. Tinha uma data que não recordo mas que era de uns 15 dias antes. Seria que já teria passado o prazo de entrega? Havia que resolver esse assunto. Mãos à obra! Lixívia (que eu já tinha visto o meu irmão usar), um palito, um mata-borrão, muito jeitinho, secar bem e passar com a unha por cima, para alisar bem o papel. Por fim uma caneta, tinta e muito cuidado e jeito para escrever uma data mais conveniente. Feito isto, lá vai o João, em corrida, até à estação dos Correios e a rezar a todos os santinhos e ao meu anjo da guarda, que tinha sempre à minha cabeceira, para que tudo corresse bem! Na escola, os dias seguintes foram de grande nervosismo. Quando o professor se dirigia a mim, eu ficava em transe. Estava sempre à espera que ele me falasse sobre o envelope. Os santinhos e o anjo da guarda portaram-se bem e eu prometi que não me metia noutra!
O Corujeira, vi-o, em Lisboa quando fez o exame de admissão no Liceu Passos Manuel.

(continua)

(Na foto, a sacola personalizada, verdadeira peça de “museu”. Em lona, com as minhas iniciais, com alça para pôr ao ombro onde haveriam de caber, o material escolar e o parco almoço. O livro é o da 4ª classe, só para dar uma ideia das dimensões da sacola.)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”!( 2 )


Claro que a aprendizagem das primeiras letras tinha, e ainda tem, os seus custos. E não falo da parte económica das famílias mas de todo o sacrifício do próprio educando. Não vale a pena eu queixar-me muito porque outros, muitos, houveram que sofreram bem mais. Pela parte que me toca, vivendo no Algueirão (Velho, ou de Cima), perto de Sintra, a menos de 20 quilómetros de Lisboa, a escola ficava a uns 500 metros da minha casa. Eu fazia os 7 anos, 4 meses antes de terminar o ano lectivo e, para entrar na escola, isso obrigava-me a esperar que os fizesse primeiro. Isso dizia a professora, a Dona Estela, mas a minha mãe lá teve artes de a convencer de que eu não ia dar muito trabalho e que estava farta de me ter lá em casa a ler e a jogar à bola. Ainda não havia professora e passei, eu e outros, uns dias com a classe da D. Estela. Entretanto veio a D. Maria Alice e lá fomos para a nossa sala. Era bom, mas eram 2 classes (a 1ª e talvez a 2ª ou 3ª) na mesma sala e as carteiras não davam para todos. Os da 1ª ficavam encostados ao longo da parede e sentados no chão, a não ser que trouxessem de casa um banquinho. O meu pai lá me arranjou um banquinho e resolveu o problema. Só no 2º período tivemos direito, na sala toda, a carteiras novas. Novinhas, todas em madeira e não como as antigas que tinham as ilhargas metálicas. Porém, nem tudo melhorava! Eu mudava de casa, para o Algueirão Novo (ou de Baixo), mais junto à estação de comboio. O meu pai trabalhava em Lisboa e isso facilitava-lhe a vida, eu é que ficava um bocadito pior. A escola, agora, ficava a uns 2 a 3 quilómetros e o caminho não era grande coisa. Havia que enfrentar a situação, haviam outros que vinham de mais longe. Até a professora, que vinha da Rinchoa, a pé!
Assim, normalmente, a chover ou a fazer sol, saía de casa, só ou acompanhado por 2 ou 3 que como eu cumpriam a “penitência”. Lá ia, até à estrada que ligava o Algueirão de Cima ao de Baixo, atravessava-a em direcção ao atalho (hoje, Rua dos Morés), passava à parte de cima do forno da cal e entrava no atalho, pó ou lama conforme a época, arbustos para descobrir ninhos e medo das cobras e dos lagartos que ali apareciam por vezes. Subindo, terreno arado dum lado e doutro, aqui, à direita, o forno da telha, ali, à esquerda, já uma vivenda nova, no meio do mato. Foi aqui, no atalho, em pleno Inverno, que eu julguei ter descoberto, num charco, o segredo do fabrico do vidro. Ao atirar uma pedra ao charco a superfície partiu-se e aí estava a minha “descoberta”. Era “vidro”, o gelo na água formado. Na minha terra chama-se o “caramelo”.
Ao cimo do atalho, onde hoje estão a nova escola e a igreja, lá estava o “Pombal”. Inflectíamos para a direita, por outro caminho, passávamos à “Quinta do Almargem” e conversando e brincando, corríamos atrás dos chapins, que se emborralhavam na terra do caminho, na ilusão de apanhar algum. Já faltava pouco e quando desenbocávamos na confluência da estrada da Baratã com a das Mercês, ali estava a nossa Escola!
À tarde, saíamos às 5 horas, era a descer e custava um pouco menos. Na 2ª e 3ª classes, por vezes, até tínhamos a companhia do nosso professor que morava em Lisboa. No fim da 1ª classe, com prova final à vista (sim, porque dava direito a prova final e tudo), já tempo de quase Verão, algumas vezes, em vez de ir directamente para casa, ia ao pinhal da “Formiga” ter com a minha mãe, que ali estava a lavar roupa no regato. Respirava o ar fresco do pinhal e a minha mãe, ao mesmo tempo que ensaboava a roupa, ia-me dando uma “ensaboadela” da tabuada. Era o máximo da produtividade!
Curioso é que, apesar dos rigores do tempo, eu mantive grande assiduidade. Na 1ª classe, tive 177 presenças e 9 faltas; na 2ª classe, 168 presenças e 24 faltas (talvez devido a sarampo) e, na 3ª classe, 196 presenças e 10 faltas. Não me parece mau, atendendo às normais doenças infantis e às condições de vida. Digno de referência é o elevado número de aulas, entre 186 e 206 (se bem que na 1ª classe se justifique o menor número devido à inicial falta de professor).
Com a vinda para Lisboa foi-se toda aquela sensação, misto de sacrifício e aventura e eu, “galinha de campo”, vi-me metido em casa e com a Escola nº 8, mesmo, mesmo, defronte da minha porta. Tinha feito “Penitência” mas, isto não era o “Paraíso” que eu ansiava. Tinha perdido muita da minha Liberdade!

(Nas fotos, o que era uma Escola Primária, de 4 salas de aula (mas 8 classes), está transformado em "stand" de motorizadas! As voltas que o mundo dá!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”! (1)



Desde os meus 5 anos que fui, um pouco por “devoção” e outro tanto por “obrigação”, habituado a juntar as letrinhas. Já desde os 4 anos que eu, quando vinha do Algueirão a Lisboa, em visita ao meu irmão, tios e avó, tinha curiosidade em saber o nome das ruas e tentava decifrar aquilo que estava escrito nas placas toponímicas. Do Rossio à Rua Fresca, era um descobrir de coisas novas. O Camões já era um meu conhecido pois que, quando passava junto à estátua, ficava a olhar lá para cima e ia dizendo à minha mãe que aquele homem era mais alto que o meu pai o que, verdade seja dita, não era preciso muito. Por isso bastas vezes foram dar comigo, deitado na cama, a esticar-me quanto podia, porque não queria ser tão baixo como o meu pai. Só mais tarde iria saber que os homens não se mediam aos palmos…
Mas, voltemos às “letras”.
Munido da “Cartilha Maternal”, lá ia olhando para o “a e i o u” e perante a “exigência” dos meus professores (meu irmão e meus dois tios), um dos quais era meu padrinho, carteiro de profissão, que sabendo como era dura a vida (tinha ficado órfão de pai, tal como a minha mãe e o outro irmão), tinha tirado um curso no Jardim Escola “João de Deus” e não me dava descanso. Quando entrei para a 1ª classe, com 6 anos, já sabia ler e escrever, o suficiente para me desenvencilhar. O que acontecia é que cada papelinho escrito que eu apanhava, lá me punha a soletrar. Isso não impediu que, no primeiro dia de escola, sentado no meio de meninas e meninos porque ainda não havia sala disponível para os meninos, ao ser-me dada uma folha para escrever nome e sexo, eu tenha tido um grande problema para resolver. Qual seria essa coisa do meu sexo? Feminino ou masculino? Fui pela lógica, eu era um “minino”, logo era feminino!!! Valeu-me a ajuda da Guilhermina, prima do Manel e já mais velha, para me “ensinar” o caminho. Logo ali ficou esclarecido que não ia haver confusões.
Entretanto um primo meu, que trabalhava no Cabo Submarino, aproveitando as férias, dava umas lições de Inglês ao meu irmão. Escusado será dizer que eu, à porta da sala, de ouvido à escuta, até já sabia palavras em Inglês. Tal “génio” era aproveitado pelo meu primo nas rodas de amigos e eu, que mal sabia Português, até falava Inglês!

Mas, como o meu padrinho trabalhava nos Correios, enviava-me revistas tais como “O Mosquito”, “Stadium” (eu era fanático da bola), “Diabrete”, “Camarada”, etc. Sem exagero, eu “devorava” tudo de ponta a ponta. Aos 7 anos eu lia as Selecções do Reader’s Digest que me dava uma senhora chinesa, e muitas delas ainda hoje as tenho. Foi por elas que, aos 7 ou 8 anos, fiquei a conhecer o arquitecto Frank Lloyd Wrigth.
De férias, em Lisboa, li as “Pupilas do Senhor Reitor”, livro que tinha saído por ocasião da estreia do filme. Estávamos em 1948! Mais tarde, a leitura desse livro, (facto que já aqui contei)com tão tenra idade, valeu-me num exame de Português feito pelo Dr. David Mourão Ferreira. O homem, ao saber que eu tinha lido tal livro naquela idade, “ficou-me na mão” e fiz um exame em beleza!
Aos 10 anos, já em Lisboa, passei a ter à disposição, só isto: Diário de Notícias; Voz; Diário da Manhã; O Primeiro de Janeiro; Vida Mundial; Diário de Coimbra; Jornal do Comércio; Boletim de Informações; Boletim do Contribuinte e “Modas e Bordados”. Por vezes tinha “O Século” em vez do “Diário de Notícias”. Por aqui se pode ver a informação a que eu tinha acesso e que, posso garantir, fazia questão de ler “de fio a pavio”. Era tudo mas, mesmo tudo! Da 2ª Guerra Mundial, habituei-me a ver nas revistas as fotos da família real inglesa e toda a panóplia de armamento da época. Acompanhei a guerra da Coreia, com o paralelo 38, o general Mc Arthur e o “Vampiro”, 1º avião supersónico, que veio a Portugal; a guerra da Indochina, em Dien Bien Phu, e o general De Castres; a espia Ana Pawker; coisas que eu lia mas que apenas ficavam na memória. Isto já para não falar em tudo quanto era desporto e que era o expoente máximo da literatura…. Só me faltava o jogo do berlinde, que eu praticava mas não vinha nos jornais! No Jornal do Comércio ficava a par do movimento dos navios que iam a este, ou àquele, porto “se convier”. Eu lia com interesse e algum divertimento o Boletim de Informações quando eles anunciavam “Lugares vagos e a concurso”. Achava piada à frase.
Enfim, leitura era coisa que não me faltava e, de vez em quando, ainda ia à Biblioteca do Jardim da Estrela, nos furos do horário escolar, passar a vista por alguma revista mais atraente. Isto quando já andava no Ciclo Preparatório, na Manuel da Maia.
Não tinha telemóvel com jogos, nem “playstation” e ia a correr atrás, ou à frente, do eléctrico, calçada da Estrela abaixo, para poupar 5 tostões!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ainda, o (des) Acordo Ortográfico…para Portugueses (e Portuguesas)!!!

Volto ao tema do Acordo porque me parece (isto é só uma ideia minha) que aquilo a que no meu tempo se chamavam substantivos colectivos (ou seriam, comuns de dois), já acabaram. Mas, também me parece que é só às vezes. Tem dias…
Acontece que também me parece que quem deu ordem de partida para esse desaparecimento foi um beirão, o General Ramalho Eanes, quando achou por bem dirigir-se à Nação com o célebre : - “Portuguesas e portugueses”! E esta, hein!, como diria o Fernando Pessa. Então a palavra portugueses, já só se refere aos homens?
É certo que o General Spínola, no dia da Infantaria, em Mafra, ainda se dirigiu só aos “Portugueses”, julgando que se estava a dirigir ao país. Estaria enganado ou esqueceu as mulheres deste país?
Quando se diz que os portugueses ganham pouco, ou trabalham muito, ou são sisudos, ou são isto ou aquilo, quer dizer que as portuguesas o não são? Também temos os “Trabalhadores e trabalhadoras” e um imenso rol doutras alarvidades, digo eu!
O que também é certo é que agora, é ouvir “Senhoras e Senhores deputados”. Reparem que não dizem “Senhoras deputadas”. E eu digo isto porque, ao que me conste, agora falam em reduzir o número de “Deputados”. Então como é, e as “Deputadas”? Nem falam nelas. Será por causa da fonética de tal palavra, ou esqueceram-se?
Já temos Ministros e Ministras, quando eu julgava que o cargo era “Ministro disto ou daquilo”. Mas, vá lá!
Agora, no Brasil já há quem diga que tem uma “Presidenta”!
Porque será que, quando se referem aos animais, dizem os cães; os gatos; os periquitos; os porcos, etc. etc.? Então, as cadelas, as gatas, as periquitas, as porcas, onde estão?
Falta-nos a Ivone Silva para reeditar o “sketch” com o Camilo de Oliveira e dizer: “Neste país, a armar ao fino, está tudo grosso, está tudo grosso”!
Isto, sou eu a divagar…

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Errare é ó mano!


Depois de ler um “post”, no blogue “brisadoaltodaserra” da minha amiga Cristina, problemas de saúde (vulgo “caruncho”), impediram-me de vir colocar mais cedo este “post”. Cá vai!

Eu áxo uma ipocrisia total o Acôrdu Ortográficu!
Presto a minha omenagem aos distintos omens que pretendendo umanizar e armonizar a língua portuguesa dão tal facada no umanismo!
O omem ao longo de toda a istória sempre viveu de mudanças mas com pés e cabeça. Oje em dia já o homem é, só, omem e pode ter pés e, pelos vistos, pode não ter cabessa.


Não sei se será este o Português do futuro, mas é capaz de não andar muito longe:
Se já é difícil haver Homens, com “H” grande, agora parece que até os de “h” pequeno vão acabar!
Será que as palavras deixaram de ter etimologia? Então já não terão raiz latina ou grega? É um facto que já se escreveram; mãi, pae, hontem, quási, pharmacia, Luiz, Cintra e muitas outras. Eu só gostava de saber porque algumas palavras, agora, são alteradas. Será que são assim escritas no Brasil ou nas ex-colónias? Também é um “facto” que já temos palavras bué que nem sabemos o que querem dizer. Mas a “gentes” cá se entende. Ó despois é que vêm com estas cenas do Acordo. Eu cá não acordo, portantos vou continuar a escrever como aprendi apesar de não ter levado muita reguada para isso. Que me conste nunca nenhum português chegou ao Brasil e teve que ir aprender a língua nativa e o contrário igualmente. Também ingleses, americanos, australianos e outros não têm nenhum acordo e entendem-se. Até, aqui ao lado, em Espanha o castelhano não é falado igualmente em todo o território. Isto já para não falar nessa coisa do “mirandês” que pode ser muito bonito e seja um modo de identificação duma região mas que querer ser mais do que isso, é exagero. No meu tempo e talvez ainda agora, os miúdos também tinham a mania de criar “dialectos” (ainda com “c”) intrometendo a cada sílaba uma outra, normalmente o “pa”. Era uma maneira de tentar confundir quem os ouvia. O mirandês, pelo que me é dado observar, não andará muito longe disso. Seria um dialecto para não serem entendidos por estranhos pois que sempre tiveram que se entender com portugueses, ou espanhóis.
Ora vejam lá se entendem este dialecto: - Elha lá Maria, viste pr’á i a porca da nha mãi ? Elha, enxerguei-a a fossar nas costas do Spríto Santo!Eu traduzo: - Olha, lá, Maria, viste por aí a porca, da minha mãe? Olha, avistei-a (ou, vi-a) a procurar comida ali atrás da capela do Espírito Santo!Chegará isto para dizer que é um dialecto da Zebreira? (Foi lá que se passou esta cena)!
Mas também, na minha terra se pode ouvir :- Os filhos andam ali no chão do Pinheiro e nos cantchais. Andam todos ensolarados, uns até andam encouros e empenedos num cantchal. Andam a comer gatchos, figos de pita, abeberas e marguedas. Queira Deus que não lhes dê volta às tripas. Também levavam uma cunca mas não enxerguei o que tinha porque a taparam com um testo.Dará isto direito a um dialecto? Se quiserem, posso traduzir!

Já repararam que algumas estações de televisão, onde a gralha é constante, já se dão ao luxo de escrever “Egito”? Serão “egícios” os seus naturais? Ou egitienses, ou egitianos?

Bem, quanto a Acordo, estamos acordados e não nos venham adormecer…