A minha
"aprendizagem de contrabandista" nesta
"rota", resume-se a dois episódios, que passo a relatar.
Corria o Verão de 1954, estava de férias escolares, numa data perto da Feira de San Bartolomé, a Feira Espanhola como é conhecida, época em que a fronteira era normalmente aberta, fui à Zarza com a minha avó e uma prima.
Manhã cedo, ainda mal abria o sol, para chegar à Zarza antes das 9 horas, à abertura das lojas, aí vamos nós. Penso que fomos pela fonte da Ribeira, que a ribeira ia baixa e lá nos metemos por aqueles carreiros fora. Eu,
“sangue na guelra”, a correr e a saltar, muito contente, resolvia mexer em tudo que achava de “interesse”. E, foi assim que me apareceu um calhau mesmo a pedir para eu mostrar as minhas forças. Mãos à obra e o calhau é levantado, mas logo deixado cair. Um
“bonito” “bitcho alacrário” estava lá debaixo. Deve-me ter valido que o bicho ainda estava ensonado e não se sentiu muito ofendido, caso contrário já teria muito que contar. Passado este episódio, o João já foi sossegadinho até à povoação. Valeu o susto!
Comemos alguma coisa na loja do Juan onde vi que a casa, além de ter um poço na cozinha, também o corredor dava passagem para os animais.
Fomos ao talho, comprar talvez um bifinho de vaca para o rapaz, porque em Salvaterra não era fácil encontrar carne de vaca. Depois a minha prima ofereceu-me um
“letche i lao” (era assim a pronúncia), que é
“leche gelao” ou seja, ou que pretendia ser, um
“gelado", ou
“sorvete”. Coisa intragável, nem o barquilho se aproveitava e o gelado era mais,
“água gelada”. Deitei fora!
Neste tempo, contrabando normal eram os frascos de perfume, “Tabu” ou “Flores del campo”.

A mim, bastou-me comprar um canivete, vulgo
“navalha”, e umas
“cartchanolas”. E, foi tudo.
Lá gastámos as pesetas, os
“duros” (5 pesetas), as
“perras gordas”(10 cêntimos) e as
“perras tchicas”(5 cêntimos).
Houve que voltar para casa, agora com o sol pelas costas e, com o aproximar do meio-dia, já abrasador. Passámos por um campo de algodão, para mim uma surpresa, em direcção ao Vale de Idanha, onde, surpresa das surpresas, nos esperava a guarda fiscal, já acompanhada de outros viajantes. Afinal a fronteira não estaria tão aberta assim, ou os guardas desconfiariam de algo. E ali ficámos, no prado verde, junto à ribeira, pergunta para cá, resposta para lá. Não trazíamos nada de especial. Então o guarda fiscal resolveu
“engraçar” comigo. E porquê? Eu vestia o que hoje se chama uma
“jardineira” e naquele tempo não era mais que um fato-macaco com peitilho. Pois, não é que o homem achava que aquilo tinha sido comprado na Zarza? Não sei se ficou muito convencido mas lá nos deixou passar. Agora, havia que trepar encosta acima, o calor já apertava e só ansiava por chegar a casa, na Quélhinha, e comer um
“gaspatchinho” feito na
“cunca”. Foi a minha primeira experiência contrabandística. Um canivete, de Albacete, e umas
“cartchanolas”. E, olé!

A segunda experiência, bastante mais tarde, tinha a minha filha mais velha pouco mais de 1 ano, em Setembro, na sequência duma viagem a Salvaterra para mostrar à família a minha mulher, o meu rebento e, porque não, o meu
“cotche volante”, um “Fiat 127”, que o dinheiro não dava para mais, na sua primeira grande viagem. Aconteceu que necessitava de leite para a minha filha e os leiteiros em Salvaterra, pasme-se, tinham entrado em greve. Coisa nunca vista!
Problema colocado, solução à vista! Vamos à Zarza!
Com o meu pai e uma prima minha, manhã cedo, era da praxe por causa do calor, saímos do Castelo e encosta abaixo, julgo ter-mos passado no “Moinho do Seco”. Chegados à Zarza, comprámos uma garrafa de leite e como “brinde” resolvi comprar uma pequena boneca, não daquelas espanholas, de louça, que faziam furor antigamente. Era apenas uma simples boneca para entreter a miúda. Teremos feito mais alguns avios que não recordo e iniciámos a volta. Como sempre, o sol era abrasador e a subida, tentando passar longe da
“caseta”, sem grande motivo para isso, foi íngreme e cansativa.
Chegados a casa, descansámos e tristeza imensa, a minha filha nem para a boneca olhou, queria era uma caixinha, com alguns feijões lá dentro, para sacudir e ouvir o barulho. Mas, isto foi só o início. No dia seguinte retornámos a Lisboa e quando, já em Ponte de Sor, parámos para dar o leite à criança, que era feito dele? Tinha ficado em Salvaterra. Foi, mais uma experiência contrabandística, falhada!
Histórias de contrabando são imensas mas, como já escrevi, isto era pequeno contrabando. No outro, as estórias nunca são contadas de modo a que todos percebam. Têm que ser lidas nas entrelinhas!
(Imagens retiradas da internet)