terça-feira, 1 de outubro de 2013

LISNAVE - “Caíu a parede da Doca 13!!!”, ou ... “Há dias em que não se devem estrear sapatos!”


(Estou quase de regresso e , como nota prévia a este "post", cumpre-me dizer que devido ao período de férias e porque há vida para além dos blogues, e ainda pelas falhas da rede de internet ( este "post" devia ser colocado ontem, 30 de Setembro), peço desculpa aos meus amigos, seguidores e visitantes deste blogue, pela minha longa ausência. Bem hajam pela vossa compreensão!)


Vista geral do Estaleiro da Margueira, no dia 22 de Outubro de 1973.
Lá está a Doca 13, vazia!




            Mas, após o acidente, já em Dezembro, para mostrar que a vida continuava, se desejavam as Boas Festas utilizando a foto acima e identificando os 12 navios em reparação.
De notar que aqui já não se vê o "Rotterdam" que tinha terminado a sua reparação de 43 dias!

Ora bem! Foi o caso do aluimento na Doca 13, na Margueira! E, como o tempo passa! Já lá vão 40 anos!
Era um domingo, 30 de Setembro de 1973. Dia soalheiro!
Eu estava de turno no Serviço de Docas. Tinha saído no sábado à meia-noite e, aparentemente, o trabalho nas docas, incluindo a doca 13, estava bem encaminhado. 


O "Rotterdam"
Aqui ainda com o "bottoping" cinzento.
(retirado de www.maritime-connector.com)
Na doca estavam, o “Rotterdam”, navio holandês de passageiros, que para alterar a cor do "bottop", de cinzento para azul escuro, teve que fazer uma picagem do casco antes da decapagem, porque as demãos de tinta, umas em cima das outras, já eram tantas que o peso do navio devia ter umas boas toneladas a mais e o “Mobil Pegasus”, navio tanque, acabado de ser vítima duma grande explosão que lhe levantou o convés qual tampa de lata de conserva. 


O "Mobil Pegasus" entrando em Lisboa, depois da explosão ocorrida, em pleno Atlântico Sul, no dia 21 de Junho de 1973. Olhando o convés, já se podia avaliar a extensão dos estragos!
(retirado de www.aukevisser.nl)

"Mobil Pegasus". Pormenor dos estragos.
(retirado de www.aukevisser.nl)
O “Rotterdam” tinha, por via do trabalho necessário, um “pinhal” de andaimes à sua volta e o “Mobil Pegasus” foi objecto de cuidados especiais na colocação dos picadeiros.
E foi com este cenário que saí do Estaleiro, fui direito a casa e dormi descansado.
No domingo levantei-me e, como já tinha previsto, iria ao Estaleiro só para ver se tudo continuava bem e, talvez após o almoço, voltaria a casa.
Tinha comprado uns sapatos e achei que nada melhor, para os adomar aos pés, do que estreá-los porque ia ser só por pouco tempo e não haveriam de me criar bolhas ou outro problema.
Cheguei ao Estaleiro cerca das 09.00h e achei estranho, a um domingo, logo à portaria, ver passar o Chefe do Serviço de Pessoal. Dei a volta por detrás do edifício das Docas e quando viro a esquina do edifício dou de caras com um inspector das tintas “Jotun”, o Sobral, que me pergunta se eu vinha pôr a parede da Doca em pé. Não percebi a piada e continuei até ao escritório das Docas, onde comecei a ser informado da situação. A parede da Doca 13 tinha caído! Achei muito estranho, porque quando estava de turno, mesmo quando não estava de Serviço ao Estaleiro, desde que fosse problema de Docas, lá estavam a telefonar-me para casa.E, desta vez, nada!
Fui até à Doca, onde já se encontrava o Chefe do Serviço de Docas, o Arq. Silva Santos, de saudosa memória, e fui posto ao corrente da situação, ao vivo e em directo!
A azáfama era grande, a Direcção do Estaleiro estava em peso, assim como o Sr. José Manuel de Mello que tal como os outros, bem perto da zona aluída, teve que ensaiar uma fuga quando mais um troço aluiu e alargou o já enorme buraco no solo. Consta e julgo ser verdade que o acidente não teve maiores proporções porque o João Emídio, Encarregado dos Guindastes, que estava de turno, ao aperceber-se do começo do aluimento, mandou recuar o pórtico que se encontrava quase na ponta do cais (julgo que também mandou que o guindaste que servia o cais 5 fosse em sentido contrário, colocado quase na ponta da muralha). Isso permitiu não só evitar um maior desmoronamento, devido à carga, como também a que o pórtico e o guindaste pudessem continuar a ser utilizados, embora com as restrições devidas. No meio do mal, às vezes há coisas que correm bem!
Mas não havia nada que saber e tínhamos que, urgentemente, meter água na doca para tentar equilibrar as pressões na parede da doca. Não havia mãos a medir!
Quanto ao Serviço de Docas, havia que tratar de arranjar pessoal para rapidamente desmontar os andaimes e ter o pessoal das Docas, em “alerta vermelho” para o que desse e viesse. Era domingo e o pessoal muito pouco, por não haver necessidade. Tínhamos que, urgentemente, fazer um “raid” para descobrir alguém que, muito descansado em casa, pensava em tudo menos em ir trabalhar naquele domingo. Munimo-nos dos ficheiros do pessoal e toca a tirar moradas. Com um motorista dos Transportes demos a volta por Almada, Cova da Piedade, Corroios, Alto dos Moinhos, Arrentela e íamos “caçando”, um aqui outro acolá.
O Encarregado dos Andaimes, o Ezequiel, por exemplo, foi apanhado no Seixal, à porta de casa, quando metia no carro as cadeiras e o material de piquenique com que se preparava para sair com a família. Ficou o piquenique adiado!
Uma boa ajuda foi dada pelo pessoal de andaimes das Construções que estava escalado para trabalhar nas proas, cujo encarregado (Ribeiro, se não estou em erro) foi incansável, mas também outro pessoal teve que ajudar. Todos não eram demais! Era só tirar as pranchas e mandar os tubos para o fundo da doca porque estes, ao contrário das pranchas, não flutuavam! Lá ficaram também algumas máquinas de soldar e caixas de ferramenta.
É de salientar que, apesar de tudo, o “Rotterdam” tinha o apoio total do guindaste da Rua 21, o que facilitava as coisas grandemente.
Enquanto isto ia sendo feito, houve tempo para digerir umas “sandes”!
Se num navio o problema eram os andaimes já montados, no outro, o “Mobil Pegasus”, havia que colocar novamente todos os bujões de fundo, que tinham sido retirados para deslastrar os tanques, de modo a que o navio pudesse flutuar. No meio desta azáfama e nervosismo geral, foi bom de ver o “ship-manager” do navio, o Larkin, escocês simpático, afável no trato e divertido, passar vistoria ao fundo do navio, com água quase pela cintura e cantarolando.
Após todo o desenrolar desta operação, já noite, o escritório do Serviço de Docas foi transformado em “Head Office” do estaleiro. Ali se discutiu e preparou o que parecia ser a melhor estratégia a seguir e que depois iria ser corrigida ou não, conforme os acontecimentos. Com tudo isto, já passava da meia-noite! Deu-se a tarefa por terminada e o arq. Silva Santos, no seu “Mini” levou-me a casa. Eram quase 2 da manhã!
Depois dum dia em que quase não comi, foi só nessa altura que tive ocasião de sentir quanto os pés me doíam! A gravidade da queda da parede da doca, devida a uma possível nesga aberta na estacaria da parede do cais 5 que teria permitido a entrada de água e o consequente arrastamento das areias abaixo do piso do cais, neste momento perdeu a sua importância e estava toda concentrada nas dores dos meus "pobres" pés com os quais, durante o dia, nem tinha tido tempo para me preocupar! 
Quem me mandou calçar sapatos novos num dia que parecia ir ser tão sossegado?

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