quinta-feira, 22 de maio de 2014

A vida em Salvaterra ( 1 ) - No séc. XVIII


Baseando-me em trabalhos apresentados nos "Cadernos de Cultura"- "Medicina na Beira Interior, da Pré-História ao séc. XX", da Universidade da Beira Interior, hoje vou começar uma série de "posts" relacionados com a vida em Salvaterra do Extremo, nos séc. XVIII e XIX.
Embora esses estudos sejam efectuados tendo em atenção o universo do concelho de Idanha-a-Nova, ou até do distrito de Castelo Branco, permito-me fazer alguma extrapolação para o caso específico de Salvaterra do Extremo, baseando-me na minha própria observação ou conhecimento através de informação, escrita ou oral. Espero, assim, não andar muito longe da realidade. Oxalá o consiga!

Campos de Salvaterra e os longes que a vista alcança.
À direita, o Erges serpenteia e a Espanha é já ali!

A vida em Salvaterra do Extremo, no século XVIII

A esperança de vida, à nascença, era inferior a 27 anos para os homens e a 28 para as mulheres. A taxa de mortalidade era elevada, sobretudo nos primeiros anos de vida, tendo em vista que cerca de metade das crianças morria antes de atingir os 10 anos e meio. A morte era, portanto, um fenómeno natural e com o qual era preciso viver. Mas, como se isso já não bastasse, ainda havia períodos em que a mortalidade atingia números inusitados devido a epidemias. A fome, a agrura do clima e a escassez de água em muito contribuíam para isso. São vários os relatos que nos chegam acerca da raia da Beira, das suas qualidades naturais, dignas de realce no que respeitava às defesas do território e de clima agreste. No que a Salvaterra do Extremo diz respeito, já as Memórias Paroquiais, de 1758, diziam “ e nelle se experimentarão no tempo de Verão grandes calores por ser esteril de agoas”. Lá diz o povo “seis meses de Inverno após seis meses de inferno…”.
Os campos eram pobres, divididos em grandes propriedades, e vivia-se da cultura e da criação de gado, bovino, ovino e caprino. As árvores eram escassas, as margens dos rios, abertas, não tinham protecção e a água evaporava-se mais depressa, secando os leitos e trazendo a doença a pessoas e animais.
A terra era uma “terra de pão”, normalmente centeio e também de aveia, em épocas de escassez do primeiro. A produção de cereais era a principal fonte de economia da região o que, como é natural, também era a sua maior fraqueza quando a produção era afectada por inconstância climática, moléstia ou ainda por situações de guerra de que esta região era fértil e que lhe traziam além da desorganização da vida agrícola, provocando a escassez de alimentos, também doenças como o tifo e a desinteria (doenças de exércitos em campanha). Há notícia de que em 1704 e 1762, houve crises de subsistência, epidemias de tifo, fugas e destruições. Na Zebreira, povoação vizinha de Salvaterra do Extremo, em Maio de 1704, a população abandonou a vila não ficando ninguém para enterrar os mortos. Disso nos dá conta o padre que fez o registo do óbito, dizendo que um homem foi sepultado num chão de Domingos Vaz Ripado, junto ao Castelo, por não haver naquela vila quem o sepultasse, por terem fugido todos os moradores quando o inimigo ali deu entrada.
Conquanto as situações de guerra se pudessem considerar excepcionais, por passageiras, as doenças eram presença continuada na vida das populações. Assim, no quadro patológico desta região raiana podem incluir-se, o tifo, febres tifóides, a desinteria e outras doenças do aparelho digestivo, o paludismo (que permaneceu endémico até ao séc. XX e que era conhecido e temido, pelos nomes de "sezões" ou "maleitas"), doenças do aparelho respiratório (catarros e gripes) e o, decerto endémico, carbúnculo, dado esta ser uma região de gado.

Estas doenças tiveram, garantidamente, grande influência na mortalidade, quer natural quer epidémica, as quais se iam verificando ciclicamente. Na mortalidade natural ocorriam picos cada 4 a 5 anos e na epidémica a média era de 7 anos.

Bibliografia:
Maria João Guardado Moreira, in Medicina na Beira Interior da Pré-História até ao Séc. XX, Cadernos de Cultura, vol. 7, Nov.1993

2 comentários:

  1. Esta foi uma realidade também da minha região que, afinal não é assim tão longe, não fosse a serra da Estrela a separá-las.
    Beijinhos

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    1. Olá, Lourdes!
      Pois é! É uma realidade da sua região e eu diria que, naquele tempo, de todo o país. Mesmo nas cidades, o pobre era pobre mesmo e sofria dos mesmos males...

      Bem haja,
      Bjs,

      João Celorico

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