terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”! (1)



Desde os meus 5 anos que fui, um pouco por “devoção” e outro tanto por “obrigação”, habituado a juntar as letrinhas. Já desde os 4 anos que eu, quando vinha do Algueirão a Lisboa, em visita ao meu irmão, tios e avó, tinha curiosidade em saber o nome das ruas e tentava decifrar aquilo que estava escrito nas placas toponímicas. Do Rossio à Rua Fresca, era um descobrir de coisas novas. O Camões já era um meu conhecido pois que, quando passava junto à estátua, ficava a olhar lá para cima e ia dizendo à minha mãe que aquele homem era mais alto que o meu pai o que, verdade seja dita, não era preciso muito. Por isso bastas vezes foram dar comigo, deitado na cama, a esticar-me quanto podia, porque não queria ser tão baixo como o meu pai. Só mais tarde iria saber que os homens não se mediam aos palmos…
Mas, voltemos às “letras”.
Munido da “Cartilha Maternal”, lá ia olhando para o “a e i o u” e perante a “exigência” dos meus professores (meu irmão e meus dois tios), um dos quais era meu padrinho, carteiro de profissão, que sabendo como era dura a vida (tinha ficado órfão de pai, tal como a minha mãe e o outro irmão), tinha tirado um curso no Jardim Escola “João de Deus” e não me dava descanso. Quando entrei para a 1ª classe, com 6 anos, já sabia ler e escrever, o suficiente para me desenvencilhar. O que acontecia é que cada papelinho escrito que eu apanhava, lá me punha a soletrar. Isso não impediu que, no primeiro dia de escola, sentado no meio de meninas e meninos porque ainda não havia sala disponível para os meninos, ao ser-me dada uma folha para escrever nome e sexo, eu tenha tido um grande problema para resolver. Qual seria essa coisa do meu sexo? Feminino ou masculino? Fui pela lógica, eu era um “minino”, logo era feminino!!! Valeu-me a ajuda da Guilhermina, prima do Manel e já mais velha, para me “ensinar” o caminho. Logo ali ficou esclarecido que não ia haver confusões.
Entretanto um primo meu, que trabalhava no Cabo Submarino, aproveitando as férias, dava umas lições de Inglês ao meu irmão. Escusado será dizer que eu, à porta da sala, de ouvido à escuta, até já sabia palavras em Inglês. Tal “génio” era aproveitado pelo meu primo nas rodas de amigos e eu, que mal sabia Português, até falava Inglês!

Mas, como o meu padrinho trabalhava nos Correios, enviava-me revistas tais como “O Mosquito”, “Stadium” (eu era fanático da bola), “Diabrete”, “Camarada”, etc. Sem exagero, eu “devorava” tudo de ponta a ponta. Aos 7 anos eu lia as Selecções do Reader’s Digest que me dava uma senhora chinesa, e muitas delas ainda hoje as tenho. Foi por elas que, aos 7 ou 8 anos, fiquei a conhecer o arquitecto Frank Lloyd Wrigth.
De férias, em Lisboa, li as “Pupilas do Senhor Reitor”, livro que tinha saído por ocasião da estreia do filme. Estávamos em 1948! Mais tarde, a leitura desse livro, (facto que já aqui contei)com tão tenra idade, valeu-me num exame de Português feito pelo Dr. David Mourão Ferreira. O homem, ao saber que eu tinha lido tal livro naquela idade, “ficou-me na mão” e fiz um exame em beleza!
Aos 10 anos, já em Lisboa, passei a ter à disposição, só isto: Diário de Notícias; Voz; Diário da Manhã; O Primeiro de Janeiro; Vida Mundial; Diário de Coimbra; Jornal do Comércio; Boletim de Informações; Boletim do Contribuinte e “Modas e Bordados”. Por vezes tinha “O Século” em vez do “Diário de Notícias”. Por aqui se pode ver a informação a que eu tinha acesso e que, posso garantir, fazia questão de ler “de fio a pavio”. Era tudo mas, mesmo tudo! Da 2ª Guerra Mundial, habituei-me a ver nas revistas as fotos da família real inglesa e toda a panóplia de armamento da época. Acompanhei a guerra da Coreia, com o paralelo 38, o general Mc Arthur e o “Vampiro”, 1º avião supersónico, que veio a Portugal; a guerra da Indochina, em Dien Bien Phu, e o general De Castres; a espia Ana Pawker; coisas que eu lia mas que apenas ficavam na memória. Isto já para não falar em tudo quanto era desporto e que era o expoente máximo da literatura…. Só me faltava o jogo do berlinde, que eu praticava mas não vinha nos jornais! No Jornal do Comércio ficava a par do movimento dos navios que iam a este, ou àquele, porto “se convier”. Eu lia com interesse e algum divertimento o Boletim de Informações quando eles anunciavam “Lugares vagos e a concurso”. Achava piada à frase.
Enfim, leitura era coisa que não me faltava e, de vez em quando, ainda ia à Biblioteca do Jardim da Estrela, nos furos do horário escolar, passar a vista por alguma revista mais atraente. Isto quando já andava no Ciclo Preparatório, na Manuel da Maia.
Não tinha telemóvel com jogos, nem “playstation” e ia a correr atrás, ou à frente, do eléctrico, calçada da Estrela abaixo, para poupar 5 tostões!

2 comentários:

  1. E , garanto a mim mesma que foi mais feliz que muitos meninos de hoje ,João . Não que eu tenha saudades dos tempos de antigamente na sua totalidade ... ,mas porque acho que o gosto pela leitura é fundamental na formação de qualquer jovem . Sabe , se calhar o ar das terras da velha Egitânia dão esse gosto pelos livros ! Também eu comecei a ler ,escrever e fazer contas com 4anos e chorava quando via passar as outras crianças para a Escola . Era de tal maneira a choradeira que o meu pai acabou por fazer um requerimento ao M.E. para me autorizar a entrar sem ter idade ....Fi-lo gastar um dinheirão , naquela época ... Foi um amor para toda a vida -quis sempre ser professora e nunca me arrependi . No domingo passado ,estive na Casa do Concelho e estava lá uma senhora que era então continua na minha Escola . Abraçando-me dizia : era a mais novinha mas sabia muito , até tinha ,por isso atada à carteira um laço de fita que a D. Emília ( a minha professora ) lá tinha posto por isso ! Já nem me lembrava e fiquei até envergonhada !
    Mas que falta de modéstia a minha ... ou será do ar da Egitânia ?!
    Quina

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  2. Abençoado tio esse, que soube canalizar as suas potencialidades para a leitura. Ao ver as imagens, foi bom recordar os livros onde também eu iniciei a minha aprendizagem.
    Beijinhos
    Lourdes

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