segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu e… as primeiras letras”!( 2 )


Claro que a aprendizagem das primeiras letras tinha, e ainda tem, os seus custos. E não falo da parte económica das famílias mas de todo o sacrifício do próprio educando. Não vale a pena eu queixar-me muito porque outros, muitos, houveram que sofreram bem mais. Pela parte que me toca, vivendo no Algueirão (Velho, ou de Cima), perto de Sintra, a menos de 20 quilómetros de Lisboa, a escola ficava a uns 500 metros da minha casa. Eu fazia os 7 anos, 4 meses antes de terminar o ano lectivo e, para entrar na escola, isso obrigava-me a esperar que os fizesse primeiro. Isso dizia a professora, a Dona Estela, mas a minha mãe lá teve artes de a convencer de que eu não ia dar muito trabalho e que estava farta de me ter lá em casa a ler e a jogar à bola. Ainda não havia professora e passei, eu e outros, uns dias com a classe da D. Estela. Entretanto veio a D. Maria Alice e lá fomos para a nossa sala. Era bom, mas eram 2 classes (a 1ª e talvez a 2ª ou 3ª) na mesma sala e as carteiras não davam para todos. Os da 1ª ficavam encostados ao longo da parede e sentados no chão, a não ser que trouxessem de casa um banquinho. O meu pai lá me arranjou um banquinho e resolveu o problema. Só no 2º período tivemos direito, na sala toda, a carteiras novas. Novinhas, todas em madeira e não como as antigas que tinham as ilhargas metálicas. Porém, nem tudo melhorava! Eu mudava de casa, para o Algueirão Novo (ou de Baixo), mais junto à estação de comboio. O meu pai trabalhava em Lisboa e isso facilitava-lhe a vida, eu é que ficava um bocadito pior. A escola, agora, ficava a uns 2 a 3 quilómetros e o caminho não era grande coisa. Havia que enfrentar a situação, haviam outros que vinham de mais longe. Até a professora, que vinha da Rinchoa, a pé!
Assim, normalmente, a chover ou a fazer sol, saía de casa, só ou acompanhado por 2 ou 3 que como eu cumpriam a “penitência”. Lá ia, até à estrada que ligava o Algueirão de Cima ao de Baixo, atravessava-a em direcção ao atalho (hoje, Rua dos Morés), passava à parte de cima do forno da cal e entrava no atalho, pó ou lama conforme a época, arbustos para descobrir ninhos e medo das cobras e dos lagartos que ali apareciam por vezes. Subindo, terreno arado dum lado e doutro, aqui, à direita, o forno da telha, ali, à esquerda, já uma vivenda nova, no meio do mato. Foi aqui, no atalho, em pleno Inverno, que eu julguei ter descoberto, num charco, o segredo do fabrico do vidro. Ao atirar uma pedra ao charco a superfície partiu-se e aí estava a minha “descoberta”. Era “vidro”, o gelo na água formado. Na minha terra chama-se o “caramelo”.
Ao cimo do atalho, onde hoje estão a nova escola e a igreja, lá estava o “Pombal”. Inflectíamos para a direita, por outro caminho, passávamos à “Quinta do Almargem” e conversando e brincando, corríamos atrás dos chapins, que se emborralhavam na terra do caminho, na ilusão de apanhar algum. Já faltava pouco e quando desenbocávamos na confluência da estrada da Baratã com a das Mercês, ali estava a nossa Escola!
À tarde, saíamos às 5 horas, era a descer e custava um pouco menos. Na 2ª e 3ª classes, por vezes, até tínhamos a companhia do nosso professor que morava em Lisboa. No fim da 1ª classe, com prova final à vista (sim, porque dava direito a prova final e tudo), já tempo de quase Verão, algumas vezes, em vez de ir directamente para casa, ia ao pinhal da “Formiga” ter com a minha mãe, que ali estava a lavar roupa no regato. Respirava o ar fresco do pinhal e a minha mãe, ao mesmo tempo que ensaboava a roupa, ia-me dando uma “ensaboadela” da tabuada. Era o máximo da produtividade!
Curioso é que, apesar dos rigores do tempo, eu mantive grande assiduidade. Na 1ª classe, tive 177 presenças e 9 faltas; na 2ª classe, 168 presenças e 24 faltas (talvez devido a sarampo) e, na 3ª classe, 196 presenças e 10 faltas. Não me parece mau, atendendo às normais doenças infantis e às condições de vida. Digno de referência é o elevado número de aulas, entre 186 e 206 (se bem que na 1ª classe se justifique o menor número devido à inicial falta de professor).
Com a vinda para Lisboa foi-se toda aquela sensação, misto de sacrifício e aventura e eu, “galinha de campo”, vi-me metido em casa e com a Escola nº 8, mesmo, mesmo, defronte da minha porta. Tinha feito “Penitência” mas, isto não era o “Paraíso” que eu ansiava. Tinha perdido muita da minha Liberdade!

(Nas fotos, o que era uma Escola Primária, de 4 salas de aula (mas 8 classes), está transformado em "stand" de motorizadas! As voltas que o mundo dá!

2 comentários:

  1. Olá João , mais um artigo muito interessante , pois não só nos recorda a escola de " outros tempos ",mas também como é que um menino nascido na Beira teve de adaptar-se ,ainda muito novinho ,à grande cidade .
    Também estive a ler o seu artigo no "Raiano ".
    Parabéns ,pois é um bom texto histórico que prova como sempre se manteve ligado à nossa Beira . Assim , não diga que não tem contributos a dar sobre a História do nosso concelho ,pois acaba sempre ,como o fez há dias , por dar uma ajudinha .
    Conto pois consigo para tentarmos fazer algo pela nossa região
    «Vesitas»,da arraiana
    »Xquina »

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  2. Olá, Quina!
    A adapatação à grande urbe, não foi imediata. Foi antecedida de um estágio de 6 anos, nos arredores, com algumas intermitentes visitas à cidade. Mesmo assim, custou-me bastante. Eu estava acostumado a ter "roda livre".
    Bem haja por ter gostado do meu texto no "Raiano". Claro que eu nunca reneguei a minha terra, só que, apenas agora, posso dedicar mais tempo ao conhecimento das suas ancestralidades. É um facto que julgo já saber muito mais, sobre a minha terra, do que muitos que sempre lá viveram. A seu tempo irei dando disso conhecimento. Assim o espero!
    Retribuo-lhe os parabéns, pois é sempre com muito interesse que leio textos históricos em geral e, neste caso, os seus, em particular.
    Iremos pois, contando uns com os outros para dar a conhecer aquilo que muitos desconhecem e que outros já não se recordarão.
    Abraço,
    João Celorico

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