sexta-feira, 18 de março de 2011

De Salvaterra à Fonte Santa. Um agradável passeio em … 1842 ! ( I )

Da “Revista Universal Lisbonense”, Jornal dos Interesses Physicos Moraes e Litterarios, colaborado por muitos sábios litteratos e redigido por António Feliciano de Castilho, aqui deixo, datado de 5 de Janeiro de 1843, um interessante texto, escrito por Ricardo Fernando Vidal. Apesar de bastante interessante, permito-me, no final, fazer algumas considerações acerca do mesmo. Espero que essas minhas considerações não sejam inteiramente descabidas, mas não têm outro intuito senão promover ao esclarecimento, se for caso disso!
Notável também o facto desta revista, desde o ano anterior (1841), estar a ser dirigida e redigida por António Feliciano de Castilho, cego desde os 6 anos de idade!


Por uma aprazível manhã de Agosto saí de Salvaterra descendo por uma tortuosa calçada e sumindo-se-me nos ares, gradualmente, as tristes e monótonas casas daquela vila. Tomei para a direita, costeando as alturas em que Salvaterra está assentada, e segui a estrada paralela ao ribeiro que extrema o nosso território do castelhano e se chama ribeiro de Elga. Para a banda estrangeira se avista um campo vasto que dizem, Val de Alcalde, cujo horizonte é coroado com a Serra da Gata. Fronteiro a Salvaterra, já também em terras de Espanha, campeia sobre um têzo ou outeiro um castelo antigo que ainda, entre suas ruínas, arvora aprumada e em bom estado a sua torre; dão-lhe o nome Penafiel; mourisca é a sua arquitectura, com cuja ancianidade bem conforma a cor cinzenta e negra de que os séculos lhe revestiram os muros. Já foi sítio forte e bem defendido; hoje a triste grasnada dos corvos obriga, involuntariamente, o viajante a parar, volver para trás os olhos e suspirar sobre a caducidade das maiores valentias fabricadas pelos homens.
Continuei pelo caminho estreito, seguindo vastos campos de centeio, que se dilatam até ir beber no ribeiro de Elga, e entrei por terrenos incultos, todos arripiados de mato.
Pelo rosto me ficava uma cordilheira chamada Serra de Monfortinho, à esquerda plainos de chão recém queimados.
Ao passo que da serra me fui acercando, entrou-se-me o povoado de Monfortinho a descobrir. Chegado a ele, vi que a cordilheira se profundava em um vale, e que um pequeno espaço a dividia da Serra da Gata. Pelo vale corre um ribeiro. Contíguo a ele, no lado de Espanha, se estendem amoreirais frescos e difusos, enquanto o solo português se espreguiça todo ocioso e bruto, afora somente alguns lanços de ribeira. Atravessei a água, convidado da boa sombra das amoreiras, onde, recobrando-me da calma, me pus a cuidar, por algum espaço, no como tendo andado a natureza tão activa para nos enriquecer, a nossa preguiça foi mais valente do que ela, que tão pobres ao cabo nos deixou. Como quem se meneia a uma parte e a outra para afugentar insectos importunos, para desterrar essas ideias, comecei de girar e espairecer-me sozinho pelo bosque a dentro. Todo ele, até mui remota distância, ia aberto em alamedas tiradas a cordel e tão donosas por seu concerto e solidão que, por vezes, me supus no passeio do Campo Grande.
Por melhor me certificar onde estava, puxei do mapa e reconheci que pisava terras de Espanha; no que logo me confirmaram dois contrabandistas castelhanos, armados, que por ali acertaram de passar.
Descaída a maior fúria do sol, repassei o ribeiro e, seguindo-lhe a margem por um caminho de pé posto, divisei, a poucos passos andados, lá adiante no vale, algumas barracas de campanha e choças de mato, onde me dei pressa de chegar.
Era ali a famigerada Fonte Santa, que eu desejava conhecer. Três nascentes brotam da Serra de Monfortinho, que descem, como outros tantos arroios, até se meterem no ribeiro por defronte do meu hospitaleiro amoreiral. Destas nascentes, uma foi, há anos, aproveitada, fabricando-se para a receber uma casa com aparência de ermida e nela um tanque ou bacia para banhos. Ali os tomam, anualmente, duas ou três mil pessoas, nos meses de Agosto e Setembro.
Como, porém, o lavacro não é mais que só um, não há nas 24 horas de cada dia, minuto que à porfia se não aproveite.
Das outras duas nascentes, com serem iguais a esta nas virtudes, nenhum cabedal se faz para remédio, por se lhes não ter querido fabricar também suas piscinas, e faltarem acomodações, onde os banhistas se recolham, sendo o povo de Monfortinho apartado dali boa meia légua.
É a água da Fonte Santa, notável pela sua milagrosa propriedade para curar moléstias de pele: sarnentos, com oito ou nove banhos, saem limpos de sua praga. Neste mesmo ano de 1842, conheci uma “muchacha” castelhana que padecia, havia muito, daquela aborrida enfermidade. Veio aos banhos e, ainda não eram tomados mais de cinco, já quase não havia mácula, nem resquício do que fora.


(continua)

1 comentário:

  1. Belo texto João.Sabe , gosto imenso de Monfortinho .Aguardo a continuação
    "Vesitas "

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