segunda-feira, 4 de março de 2013

Salvaterra ... no Romanceiro Português ! ( 4 )


Aqui venho, trazer mais uma versão de Salvaterra do Extremo, recolhida e publicada por Jaime Lopes Dias e, agora, inserta no ROMANCEIRO PORTUGUÊS DA TRADIÇÃO ORAL MODERNA, vol. II, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian. 
Espero que seja do agrado de quem o ler!




Mala suegra                    
[ Veneno de Moriana ]

    Estando a dona Alina   na sua sala real,
2  com as dores do seu parto,   que se deixava finar,
    desejava por parteira   sua mãe de natural.
4  --Anda, vai, ó minha filha,   que eu te mando a levar,  
    por criados e criadas   que te vão a acompanhar.
6   --Quando vier D. Diogo   quem lhe há-de pôr de jantar?
    --Quando vier D. Diogo,   eu lhe porei de jantar.
8   A caça que ele trouxer   eu ta mandarei a levar,
    coelhos a um a um,   perdizes a par a par.--
10  Dona Alina que abalou,   D. Diogo a chegar.
     --Anda cá, ó meu filho,   que te quero pôr de jantar.
12  --Não procuro por jantar,   tão-pouco por merendar,
     procuro por Dona Alina   que não vejo aqui estar.
14  --Dona Alina abalou   para as cartilhas do mar.
    Desejava por parteira   sua mãe de natural.
16  Anda vai, ó meu bom filho,   anda vai-a a matar,
     que as palavras que aqui disse   nem são para se contar,
18  ela a mim me chamou p…   e a ti ladrão final.
    --Alto, alto, meus criados,   meus cavalos a ferrar,
20  com ferraduras de bronze   para a jornada aturar,
     que jornada de oito dias   numa hora se há-de andar!--
22   Lá para o meio do caminho   um criado encontraria.
     --Aqui lhe trago, D. Diogo,   cartas de muita alegria,
24  que já lá tem um infante   da primeira infantaria.
     --Não se me dá do infante,   nem da mãe que o p…,
26  vai dizer a dona Alina   que lhe vou tirar a vida.
     --Aqui lhe trago, dona Alina,   cartas de muita agonia,
28  que lá vem o D. Diogo   que lhe vem a tirar a vida.
     --Deixa falar, minha filha,   que isso há-de ser mentira!
30  --Cale-se lá, minha mãe,   mais do que verdade seria
     que a p… da minha sogra   muito mal lhe meteria.--
32  Estando nessas razões,   D. Diogo à porta batia.
     --Levanta-te, ó dona Alina   se te queres alevantar,
34  olha que se lá vou dentro   p’las tranças te hei-de arrastar.
     --Cala-te lá, meu bom genro,   que eu te mando a calar,
36  está parida de três dias   não se pode alevantar.
     --Dê cá o meu vestido,   ajude-me a apertar
38  dê-me cá os meus sapatos   ajude-mos a calçar,
     dê-me cá o meu menino   também o quero levar.
40  Fique-se com Deus, minha mãe,   até dia de Juízo,  
     ele há-de ir p’ró Inferno   e eu hei-de ir p’ró Paraíso.--
42   --Olha para trás, D. Diogo,   olha se queres olhar,
     olha as florinhas do campo   todas por mim a chorar.
44   Olha para trás, D. Diogo,   olha se queres olhar,
     um menino de três dias   olha, por Deus a falar
46  --Mal haja a minha avó,   mais o leite que mamou,
     a morte da minha mãe   minha avó é que a causou.
48  --Cala-te lá meu bom filho,   que eu te mando a calar,
     a morte da tua mãe   ‘inda a vais tu a levar.--
50  Um menino de três dias   é um milagre falar.
     --Olha para trás, D. Diogo,   olha se queres olhar,
52  o cavalo era branco   e já vai do meu sinal.
     --Não se me dá do cavalo   que eu outro irei comprar,
54  dá-se-me do teu corpinho   que sem ele vou ficar.
     Fica-te com Deus, dona Alina,   neste belo areal,
56  vou chamar um confessor   que te venha a confessar.
     --Não me enterres, D. Diogo,   neste belo areal,
58   enterra-me naquela ermida   que além está a branquejar.
     --Pois aí, nesse areal,   aí mesmo te hei-de enterrar,
60  co’as patas do meu cavalo   a cova te hei-de acalcar.
     --Toma lá o meu menino,   ajuda-o a criar,
62  não o dês à tua mãe   que ela mo vai a matar,
     Dá-o antes à minha   que é capaz de mo estimar.
64  Não passes à porta de Viana   que ela te vai a matar.
     --Pois à porta de Viana   aí mesmo irei passar.
66  --Dá-me cá, D. Diogo,   o teu menino a beijar.
     Toma lá, ó D. Diogo   do meu vinho a provar.
68  --Que me deste, ó Viana, que me deste tu no vinho?
     Tenho as arrédeas na mão   já não vejo o cavalinho!
70  Que me deste, ó Viana,   que me deste a provar?
     --Três folhinhas de veneno   outras três de resgalgar!
72  A morte da minha mana,   tu ma havias de pagar.--
    
Nota do editor de Romanceiro Português TOM 2001: Omitimos as seguintes didascálias: entre -3 e -4, -6 e -7, -13 e -14, e -34 e -35 a Sogra; entre -5 e -6, -29 e -30, -36 e -37, -50 e -51, -56 e -57, e -60 e -61 Dona Alina; entre -11 e -12, -18 e -19, -24 e -25, -32 e -33, -47 e -48, -52 e -53, -58 e -59, -64 e -65, e -67 e -68 D. Diogo;  entre -22 e -23 e -26 e -27 O criado; entre -28 e -29 A mãe;  entre -45 e -46 O menino;  entre -65 e -66,   e -70 e -71 Viana.


(Nota do autor do blogue: os versos 67-71 correspondem a Veneno de Moriana, ainda que o último verso faça pensar em Brancaflor e Filomena.)



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