quarta-feira, 25 de março de 2015

Nossa Senhora da Consolação . ( A "Festa" e o "Bodo" )




No próximo dia 6 de Abril, mais uma vez se cumpre a tradição e se realizará o "Bodo de Salvaterra do Extremo", em honra de Nossa Senhora da Consolação, organizado pela Confraria do Bodo de Salvaterra do Extremo.

Mal conhecido o seu início e envolta nalgumas peripécias entre o povo de Monfortinho e o da vila de Salvaterra do Extremo, sede da sua freguesia, o facto é que chegou até aos nossos dias, para bem de todos e da Santa, e é agora festejada nas duas localidades. 

Embora, muito antes, Nossa Senhora da Consolação fosse louvada no lugar de Monfortinho, termo da vila de Salvaterra do Extremo, tal como já vem referido nas Memórias Paroquiais, no dia 20 de Abril de 1758, o Bodo, em sua honra, talvez só tenha tido início cerca de 1880, devido à Sua intercessão livrando-os dumas pragas de gafanhotos que nos são referidas em 1870, 1876 e 1877.

Das Memórias Paroquiais, de 20 de Abril de 1758, respigamos:
… lugar de Monfortinho, freguesia de N. Senhora da Consolação, termo da vila de Salvaterra…
– Em outavário da Páscoa vem a Câmara da vila de Penha Garcia e o povo em satisfação de um voto que fez a dita vila mui antigo com louvores à dita Senhora padroeira do lugar aonde lhe fazem uma festa em o dia de Nossa Senhora dos Prazeres; concorrem da vila de Salvaterra com o mesmo voto, cujos votos fizeram estas duas povoações pelos grandes estragos que lhe faziam nas searas a lagosta, da qual até hoje se tem visto livres por intercessão da Senhora.
As pragas de gafanhotos, pelo que se conhece, eram endémicas desta região do país. O estranho é que, no Diário das Sessões das Cortes, só no dia 8 de Maio de 1901, isso seja referido:
… a ruina de uma grande parte da provincia da Beira Baixa, invadida pela praga dos gafanhotos, e, provavelmente, a miseria e a fome para uma grande parte da população das regiões actualmente atacadas.
Em 1905, as gentes da vila de Salvaterra do Extremo, por variadas razões, entenderam passar a dar os seus votos à Santa na própria vila, sede da freguesia. Tal facto originou discórdia com o povo de Monfortinho e foi fruto de muitas “peripécias”, contadas de modo diverso pelos dois povos. O certo é que Nossa Senhora da Consolação passou a ter duas Festas e dois Bodos. A Festa, mesmo em Salvaterra, pelo menos até aos anos 40 do século passado, era denominada como “Festa de Monfortinho” (há quem diga que tal designação se ouviu até aos anos 50 e 60)! Quanto ao Bodo, como me parece natural, é mais conhecido como “Bodo de Salvaterra do Extremo” pois, naquele tempo, seria a terra dos lavradores e donos das terras, portanto mais abastados!

Posto isto, aqui apresento a minha versão dos factos que espero, se não for um retrato fiel do que aconteceu, se aproxime da realidade.  





Em Monfortinho recolhida
e desde tempos tão ignotos,
em Salvaterra foi renascida
por má praga de gafanhotos.
 
Por mor da Santa, foi-se a praga
e para que ninguém se esqueça
e outro mal o tempo lhes traga,
ali Lhe fizeram uma promessa!
 
Que nunca houvesse engano!
O prometido pelo povo todo,
foi que uma vez, a cada ano,
lhe ofereceriam lauto Bodo!
 
E toda a Salvaterra, em romaria,
a gente humilde e os lavradores,
rumando a Monfortinho, lá ia,
levando suas preces e andores.
 
E foi, até mil novecentos e cinco,
porque boa gente, de Salvaterra,
chamou a si a Santa, com afinco
e entre dois povos criou guerra.
 
E porque o povo de Salvaterra
clamou e disse a Santa ser sua,
abrindo assim uma tal guerra,
Monfortinho veio para a rua!
 
:- A Santa é nossa, muito nossa,
já, em tempos, o dizia meu pai,
podem trazer carro ou carroça
porque, a Santa, daqui não sai!
 
Há quem diga e não garanta,
por disso ninguém ser capaz,
que do céu a água caiu, tanta,
que Salvaterra lá voltou atrás!
  
Pois já que a Santa é só vossa,
retornaremos a nossa viagem.
Faremos uma Santa, só nossa,
e Ela terá uma nova imagem!
 
Para bem mostrarem a devoção
que todos guardavam por Ela,
dumas ruínas ergueram do chão
à sua, só sua, Santa, uma capela.
 
Capela, do sentir do povo todo
que no agradecer não foi avaro
e lhe vai ofertando lauto Bodo
onde terá estado Santo Amaro!  
 
A sua capela lá está, na Deveza!
A nossa, Senhora da Consolação,
onde o nosso povo, canta e reza
e vai espalhando a sua devoção!
 
Devoção, bem antiga que é essa,
fazendo ali acorrer o povo todo.
Assim, cumprindo sua promessa
e também servindo o lauto Bodo!
 
E serão sempre mais de mil
que da Santa honram o nome
e onde até, na Guerra Civil,
ao espanhol matou a fome!
 
Por fim, tendo da Santa carinho
e com o bom viver do seu povo,
se a “Festa” for de Monfortinho,
de Salvaterra, certo, é o “Bodo”!
 
Nossa Senhora da Consolação,
a “guerra”, para alegria de todos,   
só Vos aumentou, em devoção! 
Tens duas Festas e dois Bodos!

( Texto já apresentado no jornal "Raiano" de Março de 2015)

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