( Angola , IV )
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Aqui, ainda quase um recém nascido, sulcando as águas. |
Terminada que foi a II Guerra Mundial, no dia 10 de Agosto de 1945, o Ministro da Marinha produzia o que viria a ser o famoso Despacho 100, destinado à renovação da Marinha Mercante portuguesa. Assim o quarto navio, um navio misto, de carga e passageiros, foi construído em Inglaterra, nos estaleiros R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd., em Hebburn-on-Tyne, Newcastle, ao abrigo desse Despacho 100. Este navio era gémeo dum outro, o “Moçambique”, construído em simultâneo num outro estaleiro também nas margens do rio Tyne, o Neptune Shipyard, Walker, pelos construtores Swan, Hunter & Wigham Richardson, Ltd.
Encomendado em 20/12/1945, tomou o nº de construção nº 689, o assentamento da quilha ocorreu em 27/06/1947 e o seu lançamento à água teve lugar em 24/03/1948. Nesta cerimónia, para quebrar a tradicional garrafa de champanhe no costado de aço do navio esteve a sua madrinha, a Srª Duquesa de Palmela. Depois das provas de mar, efectuadas como seria normal e lógico ao largo, junto à foz do rio Tyne, no dia 11/12/1948, o navio foi então entregue no dia 17 de Dezembro. Quatro dias depois, sob o comando do capitão António R. de Bettencourt (admitido na CNN em 7/7/1924, terá sido o último comandante do anterior “Angola) e trazendo 22 passageiros a bordo, o navio atracava em Lisboa.
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Salão da 1ª classe |
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Messe dos Oficiais Maquinistas |

Quase 60 anos mais tarde, para os amigos e não só, iria relatar o que foi a sua vida e o resultado do seu sonho! A internet a isso ajudou!
Em 1957, como qualquer pessoa entrada na idade adulta (já quase com dez anos), foi a Newcastle, onde tinha nascido, para que fosse reclassificado nos estaleiros Hawthorn Leslie & Co. e Smith’s Dock Company.
Nesse mesmo ano de 1957, em 19 de Setembro, faziam parte da sua tripulação: ainda o seu primeiro comandante, o Capitão António Bettencourt; o Imediato, José Luís Andrade de Araújo; o 1º Piloto, Orlando Ride Leitão; o Chefe de Máquinas, Aníbal Rodrigues Silva; o 1º Maquinista, Manuel da Silva Dias; o Médico, José Nunes Bento Ximbro; o 1º Rádio Telegrafista, António Antunes Dias e o Comissário Manuel Fialho de Oliveira Tito.

Dez dias depois, 4 de Dezembro, ao princípio da tarde, o navio atracou ao porto de Luanda.
Nesse grupo de militares, além de Rui Machado da Cruz e o furriel Luíz de Mello Corrêa, que em 22 de Novembro de 2008 organizariam, em Estremoz, no Regimento de Cavalaria 3, o encontro comemorativo dos 47 anos do embarque para África, lamentando que depois da morte do general Spínola o número de participante tivesse vindo a decrescer, encontrava-se também António Cáceres Veiga, militar que, segundo ele, por uma qualquer obra do acaso em que a vida é fértil, em pleno teatro de guerra, salvou o tenente-coronel de morrer com um tiro na cabeça. Foi o caso de que o comandante, destemido e sem capacete, estava em pé a tentar descortinar o inimigo. António Veiga apercebeu-se disso e colocou-lhe o capacete. Quase acto contínuo um som de impacto metálico soou. Uma bala tinha ressaltado no capacete! O destino falou mais forte!
O Grupo regressaria a Lisboa, com Spínola já coronel, no dia 4 de Março de 1963 (ou 1964 ?)!
Fruto do seu reconhecimento, António Spínola enviou a António Veiga um telegrama a propor-lhe um bom emprego, no laboratório de produtos farmacêuticos de seu irmão, Francisco Spínola. Emprego aceite, mas por pouco tempo. A vida de Lisboa não era para António Veiga e este regressou ao seu Alentejo. Spínola compreendeu e provando a sua estima fez questão de ser seu padrinho de casamento, o qual se efectuaria no dia 12 de Setembro de 1964. António Veiga dedicou-se algum tempo à agricultura até conseguir entrar para a Guarda-Fiscal, da qual se reformou pouco depois do 25 de Abril de 1974. Do casamento com sua mulher Rosa, resultaram dois filhos, José, professor de música em Portalegre e Alice, professora de Português, em Alenquer. Hoje, António Veiga, próximo dos 70 anos, dedica-se à produção de gado bovino, numa propriedade nos arredores de Monforte, no Alto Alentejo.
Acerca desta reparação, escrevia a revista da Lisnave, nº 3, de Março de 1966:
“Para reparação da avaria provocada por um encalhe sofrido em Moçambique, em Novembro do ano passado, entrou na doca 1 do estaleiro da Rocha, em 18 de Janeiro, o paquete “Angola”, de 9.550 toneladas d.w., propriedade da Companhia Nacional de Navegação.
Grande parte da importante reparação foi executada, desde a data da entrada do navio até ao dia 26 de Fevereiro, em doca seca e em regime de trabalho contínuo, tendo sido executados, simultaneamente, obras de beneficiação de rotina e para reclassificação. Neste período, foram trabalhadas mais de duzentas toneladas de material, tendo sido cravados cerca de 25.000 rebites e abrangidos todos os tanques do duplo fundo.
Como facto relevante da natureza da grande reparação, deve anotar-se que todos os picadeiros da doca foram deslocados, tendo o navio sido escorado, provisoriamente, e utilizadas mais de seiscentas escoras.
Para além do facto de todas as chapas da quilha, dos tanques 1 ao 8 terem sido reparadas, há a salientar o grato acontecimento de, pela primeira vez, as oficinas do estaleiro da Margueira terem colaborado num trabalho de reparação naval.
Finalmente, vinque-se que todos os compromissos foram integralmente cumpridos, o que – dizê-mo-lo com a maior satisfação - , vem demonstrar, mais uma vez, o elevado grau de técnica, eficiência e brio profissional, do pessoal dos nossos estaleiros.”
Em 1967, David Mourão Ferreira escreve, a pág. 145 do seu livro “Saudades de Lisboa, de Eça de Queirós a Miguel Torga”, livro ilustrado por Bernardo Marques: “… o “Angola” da Companhia Nacional de Navegação, num andamento vagaroso. Três gaivotas acompanham em desenhos largos, a manobra lenta do navio…”
No dia 29 de Junho de 1970, sai para mais uma viagem, levando a bordo, a caminho de Moçambique, o passageiro António Silva que em Agosto de 2008 no-lo dava a conhecer.
No dia 19 de Setembro de 1970, de novo deixa Lisboa levando alguns militares para rendição individual em Angola. Entre eles ia Fernando Ferreira, que pertenceu ao STM do Comando Militar de Leste.
Também neste ano de 1970, um passageiro de nome José, lá viajou a caminho de Luanda. Ele o disse em Agosto de 2008.

Acerca desta reclassificação, escrevia a revista da Lisnave, nº 65, de Maio de 1971:
“De 12 de Março a 30 de Abril passado decorreram, no estaleiro da Rocha, os trabalhos de reclassificação do navio “Angola”.
Os trabalhos principais consistiram em beneficiação de máquinas, bombas, caldeiras e geradores, e remoção dos camarotes existentes nas cobertas dos porões 1, 2, 3 e 4 e adaptação dos espaços respectivos para cobertas de carga.”
Seria talvez o “prenúncio de uma morte anunciada”, que iria ocorrer 3 anos mais tarde!
Após esta reclassificação, regressou à carreira regular da linha de África, onde se manteve até ao dia 27 de Novembro de 1973, dia em que largou de Lisboa, rumo a Moçambique, naquela que seria a sua última viagem. Durante essa viagem teve conhecimento de que o seu dono (a CNN) tinha obtido autorização governamental para a sua venda. Chegado ao Maputo (antiga Lourenço Marques) foi, então, retirado do serviço no dia 30 de Dezembro de 1973.
Despedia-se do ano e da sua tripulação, parte da qual regressou a Lisboa no seu bem conhecido “Príncipe Perfeito”.
Demorou um mês a sua espera e no dia 31 de Janeiro de 1974 foi vendido à firma Chou’s Iron & Steel Co.. O seu destino estava traçado. Com pouco mais de 35 anos de vida, qual eutanásia, esta era-lhe retirada! Ia ser abatido, esventrado e desmantelado, levando com ele memórias de muitas vidas!
Para acabar os seus dias, no dia 16 de Janeiro de 1974 rumou à Formosa, onde chegou a Hualien no dia 8 de Fevereiro.
As características principais eram as seguintes:
Segundo os documentos da época
( revista No. 483. Vol. 56. - “The Shipbuilder and Marine Engine-Builder, March 1949 , page 183, TABLE I )
( revista No. 483. Vol. 56. - “The Shipbuilder and Marine Engine-Builder, March 1949 , page 183, TABLE I )
Table I – Principal Dimensions, etc., of the Motorship “Angola” | |
Length overall | 549ft. 8in. |
Length B. P. | 520ft. 0in. |
Breadth moulded | 67ft. 0in. |
Depth moulded to upper (D) deck | 36ft. 3in. |
Depth moulded to shade (C) deck | 44ft. 3in. |
Load draught | 27ft. 0in. |
Deadweight, tons | 9,550 |
Displacement, tons | 18,223 |
British tonnage: - | |
Gross | 12,932 |
Net | 7,366 |
Cargo capacities, bale, cu. ft. : - | |
General | 380,980 |
Insulated | 14,720 |
Special | 3,993 |
Passengers: - | |
First-class | 88 |
Tourist-class | 150 |
Third-class | 98 |
Emigrants | 392 |
________________ | |
Total passengers ………………………………….. | 728 |
Crew (about) | 172 |
_______________ | |
Total complement | 900 |
_______________ | |
Fuel-oil capacity (maximum), tons, at 98 per cent. full | 1,385* |
Water-ballast capacity (maximum), tons | 1,804* |
Fresh-water capacity (maximum), tons | 2,303* |
Designed speed in service, knots | 18 |
Corresponding B.H.P. | 13,000 |
Corresponding r.p.m. | 115 |
* Certain tanks available alternatively for fuel oil or water ballast, and for ballast or fresh-water, and are included in the capacities mentioned. (See Table III.)
Por outro lado, as características principais constantes de elementos retirados do site http://navios.no.sapo.pt/angola.html, que penso serem os que constam do registo do navio, na Capitania e nas seguradoras, são as seguintes:
Características principais | |
Tipo | Navio misto de 2 hélices |
Construtor | R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd. |
Local de construção | Newcastle-on-Tyne, Inglaterra |
Ano de construção | 1948 |
Ano de abate | 1974 |
Registo | Capitania do Porto de Lisboa, em 10 de Janeiro de 1949, com o nº H 370 |
Sinal de código | C S C R |
Comprim. fora a fora | 167,11 m |
Boca máxima | 20,50 m |
Calado à proa | 8,21 m |
Calado à popa | 8,21 m |
Arqueação bruta | 12.974,66 ton |
Arqueação líquida | 7.703,48 ton |
Capacidade | 12.440 m3 |
Porte bruto | 9.703 ton |
Aparelho propulsor | 2 motores Diesel, 6 cil. cada, mod. “Doxford”, construídos em 1948 por R. & W. Hawthorn, Leslie & Co. Ltd. em Newcastle- on-Tyne |
Potência | 13.000 Cv |
Velocidade máxima | 18,0 nós |
Velocidade normal | 17,0 nós |
Passageiros | Alojamentos para: 20 em classe de luxo; 69 em 1ª classe; 141 em 2ª classe; 98 em 3ª classe e 413 em 3ª suplementar, num total de 741 passageiros |
Tripulantes | 212 |
Armador | Companhia Nacional de Navegação - Lisboa |
Da simples observação das duas tabelas logo se verificam algumas diferenças, tais como:
1) A tripulação prevista era de 172 tripulantes, o registo é de 212
2) O total de passageiros, previsto, era de 728, o registo é de 741. A 1ª classe, que previa 88 passageiros, no registo desdobra-se em classe de luxo e 1ª classe, com um total de 89 passageiros; a 2ª classe (tourist), previa 150, é reduzida a 141; a 3ª classe mantém o mesmo número e a 3ª suplementar (emigrants) é aumentada de 392 para 413
3) A arqueação bruta prevista eram 12.932 ton, no registo são 12.974,66 ton e a arqueação líquida, que era de 7.366 ton, passou a 7.703,48 ton
4) O comprimento fora a fora, previsto, era 167,54 m , no registo estão 167,11 m
5) A capacidade total prevista era de 11.319,31 m3, o registo apresenta 12.440 m3
Nota-se, assim, o que é regra não só neste caso como em quase tudo o que é português!
O espaço dá sempre para caber mais um e são sempre necessárias mais pessoas para fazer o trabalho que já estava devidamente dimensionado. Conclusão, o espaço por pessoa diminui e o trabalho necessita mais pessoal. Ao todo, mais 53 pessoas, 40 tripulantes e 13 passageiros. É a produtividade nacional!
Também, entre dois navios que deviam ser exactamente iguais, o “Angola” e o “Moçambique”, este além de ter mais 9 passageiros ( 750 ), tinha que ter mais um tripulante ( 213 )! Afinal, ainda se podia espremer mais um bocadinho!
Num folheto da Companhia pode ler-se ainda que, à excepção de 2 camarotes da 3ª classe, todos os outros são exteriores! Estes 2 que são excepção devem ser o resultado do aumento na 3ª classe suplementar, de 392 para 413. Também que o deslocamento do navio são 18.250 ton e não as 18.223 ton previstas.
Por último, o estaleiro de construção, embora seja perto de Newcastle é, mais propriamente, em Hebburn-on-Tyne.
(Não terminaria aqui a minha dissertação sobre o navio “Angola”, principalmente este último, como é óbvio. Claro que durante o período em que lá andei, como oficial maquinista, desde 1963 a 1966, muito mais assunto eu tenho, sendo o mais relevante um encalhe na ilha de Moçambique que deu origem a uma reparação, no fundo do navio, que durou mais de 2 meses e que aqui, ao de leve, vai referida! Para os interessados, está mais pormenorizada, neste mesmo blogue, em dois "posts" colocados em 24/11/2009 e 09/12/2009 )